PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«Boca de Fogo» - de Luciano Pérez Fernández

Pérola a preto e branco, minutos de magia, dia de futebol no interior de Pernambuco. A câmara segue o povão nas bancadas do Salgueiro, pequeno emblema da Série C do Brasileirão.

O realizador procura as emoções na boca do adepto e nos corações do narrador. Sim, há um relato a correr na rádio, a voz de Didi. É ele o Boca de Fogo que dá o título à curta-metragem, estrela em todos os festivais de cinema e futebol por onde tem passado.

Fernández destaca as gargantas, os olhares, os cânticos das esconsas bancadas. Em detrimento do jogo. Do jogo, aliás, pouco se vê, a não ser rápidos ângulos disparados de relance.

Isto é um dia no futebol brasileiro, mas o futebol esquecido, sem direito a manchetes ou a reportagens mais ou menos inspiradas. É a fila para a compra de bilhetes, o vendedor de picolés e os gritos de Didi, Boca de Fogo, estrela do dia em Salgueiro.

O futebol de Luciano Pérez Fernández é este. O futebol pensado e jogado para os que o seguem sem nenhum interesse camuflado ou iníquo, a não ser a paixão por um emblema, mesmo que esse emblema seja um pequeno amontoado de quase nada.

Quando é que nos esquecemos daquilo que amamos no jogo? Ouçam Didi e divirtam-se. Num transístor perto de si, o relato apaixonado de um jogo qualquer.

«Olha aí o Moreilândia, passou, ajeitou e é goooooollllllllllllllloooo!»

BOCA DE FOGO / FIRE MOUTH - Trailer from Luciano Pérez Fernández on Vimeo.

PS: «Hostis» – de Scott Cooper

Novo México, 1892, um brutal ataque Comanche desfaz uma família de colonos. Arranca assim, sangrento, o western de Scott Cooper, realizador dos inspirados Crazy Heart (2009) e Black Mass (2015).

A atmosfera é esta. Tensa, furiosa, selvagem.

Surge Christian Bale na pele do capitão Joseph Blocker, da US Cavalry, a combater Apaches e a levar os sobreviventes para o forte norte-americano.

Mais do que os diálogos, Cooper pretende aprisionar-nos à violência explícita, ao confronto aberto que transbordava naquele final do século XIX.

Sinto falta de bons westerns, da velha questão maniqueísta dos cowboys vs. índios, de pistolas contra arco e flecha. Scott Cooper consegue recuperar a atmosfera de outros tempos e recupera também o veterano Wes Studi, que vi pela primeira vez em Danças com Lobos, no papel de um velho chefe Cheyenne.

Uma das melhores propostas pós-Oscars.



SOUNDCHECK:

«We Were There» - dos Campeões do Mundo de 1966

Os campeões do mundo de 1966 gravaram um single em 1982. Para apoiarem a seleção de Inglaterra antes do Mundial de Espanha. Sir Alf Ramsey cantou, Alan Ball tocou violino, Bobby Moore agitou uma pandeireta, Geoff Hurst, o homem do golo decisivo contra a Inglaterra, foi para a bateria.

O objetivo passava por gravar um disco e doar as receitas à fundação de Bobby Moore, que fazia investigação contra o cancro. Mas a música nunca foi divulgada e perdeu-se.

Seguiram-se problemas relacionados com os direitos legais e, enfim, a música nunca teve a atenção merecida.

Mas agora que se aproxima o Mundial de 2018, um movimento em Inglaterra recuperou-a das catacumbas e o seu criador – Bobby Wragg, um músico de Leicester – até já esteve num dos mais conhecidos Live Shows da televisão britânica.

Nunca é tarde para ouvir os campeões de 66. Mesmo que tenham feito Eusébio chorar.



PS: «Everything Was Beautiful, and Nothing Hurt» - de Moby

Um disco novo de Moby. O décimo depois do extraordinário Play, de 1999. Parece impossível, mas o produtor/compositor/intérprete tem estado a trabalhar ativamente e a lançar trabalhos atrás de trabalhos. Nenhum atingiu a qualidade e o mediatismo da obra-prima do final de século.

Com este Everything Was Beautiful…, Moby recupera o som que o consagrou. Basta ouvir este terceiro single, This Wild Darkness.

«O punk rocker que há em mim quis gritar ‘parem de fazer essas terríveis escolhas’», disse Moby em recente entrevista à Billboard.

Deixem-no gritar da forma que sabe. Em suave e gentil melodia.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.