PLAY é um espaço de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera do jornalista Pedro Jorge da Cunha. PLAY.

SLOW MOTION:

«A WONDERFUL SEASON OF FAILURE» - de Mario Bucci
Verão de 2013, Bari, sul de Itália. Um clube sem direção e mergulhado nos lugares escuros da Serie B. Um emblema à deriva, em falência técnica.

O cenário é negro e adensado por suspeitas de corrupção. A linha de vida é ténue, exangue, o fim é o passo mais lógico.

Não há dinheiro para as viagens aos estádios adversários, é ensaiado um leilão (#compratelabari) mal sucedido, falta tudo, inclusivamente qualidade desportiva à equipa principal.

O documentário de Mario Bucci encontra o histórico Bari nesta agonia, aparentemente sem remédio. Não há panaceia ou elixir mágico capaz de devolver saúde e festa a uma instituição incontrolável.

A não ser que…

. A não ser que os adeptos impeçam a ruína
. A não ser que os adeptos encham o estádio e empurrem a equipa
. A não ser que os adeptos emprestem dinheiro do próprio bolso
. A não ser que os adeptos provem que o futebol moderno é compatível com paixão

E o Bari aí vai, do 17º lugar no segundo escalão até ao sétimo e aos playoff de acesso à Serie A. E, como se pode ouvir na narração inicial, quem não acredita em milagres tem de ver e ouvir esta história.

Para tudo ser mais apelativo, há um português no argumento. Mais propriamente na frente de ataque do Bari. João Silva, marcador de oito golos nesta época 2013/14.

A prova de que os clubes só fazem sentido quando direcionados para os adeptos e pelos adeptos. Uma ideia estafada para algumas SAD supostamente modernas e evoluídas.

O futebol é um bem das gentes que o amam, os clubes são instrumentos de ligação emocional ao jogo.



PS: Milagre no Rio Hudson – de Clint Eastwood
Janeiro de 2009, um avião parte de La Guardia, em Nova Iorque, e acaba a amarar no rio Hudson. A tragédia é evitada pela perícia do comandante Sully (Tom Hanks) e do primeiro oficial Jeff Skiles (Aaron Eckhart).

O mestre Clint Eastwood recupera este episódio verídico e trata-o com a seriedade e o detalhe ajustados. Um filme forte, capaz de ir muito mais além do que a mera recomposição da anunciada tragédia.

A credibilidade de Tom Hanks e a bonomia de Aaron Eckhart são partículas perfeitas no realismo pretendido por Eastwood. A Sétima Arte ainda pode ser um lugar de conforto e sobriedade.



VIRAR A PÁGINA«DIÁRIO DE UM SKIN» - de Antonio Salas
O mundo hammerskin em Espanha virado do avesso por um jornalista, Antonio Salas (um pseudónimo), infiltrado numa claque de futebol. Salas insinua-se e mistura-se com os Ultras Sur, adeptos radicais do Real Madrid. Torna-se um deles, relata cenas macabras, viaja para os quatro cantos do país, envolve-se em rituais acéfalos de violência e racismo.

Um livro pungente, intenso, da primeira à última página. Li-o já há uns anos, emprestado pelo bom Sérgio Pires, e não me sai da cabeça. Antonio Salas, cuja identidade verdadeira continua por revelar, foi obrigado a fugir e a esconder-se durante muito tempo depois da publicação da obra, em 2003.  

Uma viagem perigosa à intimidade de verdadeiros monstros.

SOUNDCHECK«CARGA DE OMBRO» - de Samuel Úria
O adepto mais famoso do Tondela é o responsável por um dos álbuns mais entusiasmantes da música portuguesa nos últimos anos. A faixa que dá origem ao nome do disco (ou será ao contrário) é uma balada lindíssima, arrepiante, a evocar uma típica expressão do mundo do futebol.

Muito mais do que uma canção sobre o desporto-rei, claro está. Aliás, muito provavelmente uma canção completamente dissociada do fenómeno da bola.

«Já nem sei se me apoquente
Que a memória não falhou
O pé frio e a mão tão quente
Eu quero ser quem se abeirou

Põe o teu ombro junto ao meu
Carga de ombro é legal
Põe o meu nome junto ao teu
Carga de ombro é legal

Já nem sei se é importante mas
A justiça tem de vir
Já nem sei se o ser constante tem
Antes que se redimir»



PS: «The Getaway» - dos Red Hot Chili Peppers
A minha malta em Pedras Rubras teve sempre um assinalável bom gosto musical. Dois dos discos que mais nos acompanharam em aventuras inconfessáveis foram Blood Sugar Sex Magik (de 1991) e Californication (1999), ambos destes rapazes de que hoje vos falo. Os Red Hot, como sempre foram tratados pelo pessoal da Aldeia.

Depois de 2002, e de um disco (By the Way) que me passou totalmente ao lado, afastei-me do quarteto de LA - Kiedis, Flea, Smith e agora Klinghoffer no lugar do inigualável Frusciante. Até aos últimos dias. Numa conhecida loja de discos da cidade do Porto atrevi-me a escutar algumas das faixas do novo The Getaway e recuperei o entusiasmo e o brilho de memórias que se afastam sem nunca se perderem. 

Sim, é o melhor trabalho dos Red Hot no século XXI.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.