PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:
«A Culpa é do Neymar» - de João Ademir

Representação alegórica de uma fraternidade de sofá. O pai ama o filho, o filho ama o pai, mas a primeira discussão é inconciliável. O pai é apaixonado pelo Botafogo, o menino adora Neymar e escolhe o Santos. Daí em diante, a curta-metragem de 11 minutos é uma paleta de emoções em forma de guia prático sobre a forma como escolhemos o nosso clube do coração.

A película esteve na II edição do Cine Futebol Clube, realizado em setembro no Porto, e chamou-me de imediato a atenção. Levantou-me uma dúvida: de que forma, hoje em dia, uma criança escolhe o clube que apoiará toda a vida?

A herança paterna é sempre um fator de peso, nada despiciendo. Mas não é decisiva. O grupo de amigos que nos rodeia? Naturalmente. Nos anos 80, pelo menos, era provavelmente o elemento mais influenciador.

Na passada semana, porém, um colega de redação arrasou os meus argumentos normativos. Conta ele, sustentado com imagens fotográficas, que o irmão foi adepto do FC Porto até aos 12 anos e que entregou o coração aos leões de Alvalade daí para a frente. Tem 20 e continua sportinguista.

Confesso a minha enorme surpresa. Desconhecia esta realidade. Trocar de clube já no início da adolescência?

Há também outros elementos novos. Já ouço jovens de 14/15 anos a assumirem publicamente que o primeiro clube é o Real Madrid, o Barcelona ou o Arsenal. Há 30 anos isto era impensável.

Daí a minha questão, potenciada por esta curta metragem: o que nos faz escolher aquele emblema que amaremos incondicionalmente? O pai, os amigos, aquele futebolista especial?

Não tenho uma resposta sociologicamente satisfatória, mas gostava de pensar que as crianças portuguesas escolherão sempre os clubes portugueses em primeiro lugar. Mesmo que não consigam fugir ao cerco mediático imposto pelos três grandes.



PS: «Stranger Things» – de Matt e Ross Duffer

Carta de amor aos filmes fantásticos dos anos 80, banda sonora apropriada, Winona Ryder e Matthew Modine no elenco. Há um desaparecimento de uma criança na pacata cidade de Hawkins, Indiana. Estamos em 1983. O que se passou com Will Byers?

Há uma menina que surge não se sabe bem de onde, crianças de bicicleta, três polícias aparentemente desorientados e uma estrutura governamental sinistra. Experiências clínicas? Monstros ou imaginação?

Estou a meio da primeira temporada e rendido ao ritmo, à atmosfera, ao sentido de humor em alternância com espasmos de terror. Onde é que isto vai parar? É uma reminiscência de ET, de Spielberg, do Verão Azul espanhol. Aditivo.



SOUNDCHECK
«Tyson vs. Douglas» - dos The Killers

Surpresa: o quarteto de Las Vegas, autor do brilhante Hot Fuss (2004), ainda é capaz de fazer boa música. Os dois álbuns anteriores, pop plástica de mascar e deitar fora, afastaram-me deles. Ao quinto trabalho de estúdio, sinto que talvez haja esperança numa reconciliação.

A faixa 6 de Wonderful, Wonderful é dedicada ao inesquecível combate entre Mike Tyson e Buster Douglas, de 1990, surpreendentemente ganho pelo segundo. Flowers recua 27 anos e conta-nos o que sentiu ao ver Tyson cair.

Por favor, não deixes que o mesmo aconteça aos The Killers.

«When I saw him go down
Felt like somebody lied
I had to hold my breath till the coast was clear
When I saw him go down
Felt like somebody lied
I had to close my eyes just to stop the tears»



PS: «Sleep Well Beast» - dos The National

Alligator (2005) e Boxer (2007) foram o pináculo da criatividade de Berninger, dos Dessner e dos Devendorf. Depois senti um afastamento emocional, uma passividade musical estranha, um alheamento contundente, como se o prazer de fazer música e discos tivesse ficado para trás.

Continuavam a fazer boas canções, mas os álbuns – High Violet e Trouble Will Find Me – pareceram meramente o cumprir de uma obrigação contratual, sem ponta de entusiasmo.

Eu, fã assumido, volto a acreditar nestes rapazes com este Sleep Well Beast. Não, ainda não é aquela pancada viciante dos primeiros trabalhos, mas há aqui uma bateria mais comprometida, ritmos mais certeiros, um certo renascimento criativo.

Há classe, há charme, há conforto, como sempre, mas agora tudo encaixilhado numa partitura forte. Convincente.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.