PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«PREMIER PASSIONS» - da BBC   
Magnânimo na sua imensa incoerência, Jorge Jesus nem se apercebe que o karma é um polícia zeloso e incorruptível. Investiga e prende, regista e castiga. Tem memória de elefante.

A 14 de dezembro de 2014, no Dragão, o Benfica venceu 0-2, golos de Lima. Defendeu muito, aproveitou bem as poucas oportunidades de golo, agradou o treinador Jesus.

O que disse ele no final desse Clássico? «O Benfica foi eficaz, muito experiente e com muita qualidade na defesa». Certo, de acordo, eficácia e qualidade defensiva. Sim senhor, os campeões também se vestem assim.

E que mais? «Os equilíbrios táticos definem as equipas quando não têm bola». Perfeito. Uma equipa que jogou sem bola e conseguiu conforto tático. Venceu assim, nada a apontar. Jesus ficou satisfeitíssimo.

«Muitas vezes no jogo de hoje não tivemos nota artística. O FC Porto procurou o resultado, principalmente pelas laterais, mas fechámo-nos muito bem». Eureka! Poção mágica de Jesus para ganhar no Dragão: nota artística? Nem pensar. Importante é ser eficaz e fechar muito bem a baliza.

5 de março de 2016, Alvalade, Jesus perde da forma que vimos. Com o seu Sporting a atacar mais, a ter três boas oportunidades de golo e a cair perante um Benfica eficaz e que soube fechar bem a baliza do estreante Ederson.

E o que diz o mestre da incoerência, magnânimo na articulação do pensamento?

«O Benfica não sabe como ganhou. Mas ganhou. Fez muito antijogo, jogou muitas vezes como equipa pequena». Ui Jorge, durinho, não? Só falta dizer que a nota artística é o principal item na medição da Qualidade Interna Bruta de uma equipa.

«Se isto fosse com nota artística tínhamos goleado». Boom!! «O adversário nem merecia sair daqui com um ponto, quanto mais com três».

Senhor treinador, considere-se detido. O Karma Police vai algemá-lo e conduzi-lo à esquadra mais próxima. Motivo: incoerência crónica, um crime normalmente punido com a perda de credibilidade por parte do observador comum.

 

Qualquer altura é boa para escutar a melhor banda do planeta Terra, os Radiohead. No asteróide onde habita Jorge Jesus, feliz a reinar em cima de leis anacrónicas e desabafos incompreensíveis, os ingleses de Oxford podem não ser campeões de vendas, mas em Terras de Sua Majestade o génio e a coerência artística ainda são venerados. 

Talvez por isso, outros homens, como o quase desconhecido Peter Reid mereçam crédito e respeito. Reid foi um médio de boa qualidade, notabilizou-se no ManCity e esteve no Mundial de 1986. Reid foi um dos ingleses driblados por Maradona no Golo do Século.

Entre 1995 e 2002, Peter Reid treinou o Sunderland e dotou a equipa de um caráter raras vezes no futebol. Treinador honesto, embaixador de ideias primárias sobre o jogo, Reid nada tinha a esconder e permitiu que as câmaras da BBC seguissem o seu trabalho durante a época de 1996/97 inteira. 

O resultado é absolutamente brilhante e originou cinco episódios de uma série produzida e exibida pela BBC. Há muitos f...... e outros palavrões, mas a beleza do documentário reside precisamente na opção de não filtrar o que de mais genuíno existe dentro de um balneário. 

Há muitas formas de ganhar jogos e de ser bom treinador. Peter Reid ganhava e perdia com as suas ideias, como Jesus ganha e perde com as suas ideias. O que é respeitável, legítimo.

Fazer dos outros menos inteligentes e menorizar os colegas de profissão... isso é que é feio, muito feio.



PS: «Spotlight» - de Tom McCarthy 
Jornalismo de investigação, competente; advocacia conservadora e gananciosa; Igreja perversa e padres condenados por pedofilia. O realizador Tom McCarthy juntou os três pilares e filmou a melhor película do ano, o meu favorito à grande gala dos Oscars. 

Inteligente, bem contado, percetível do início ao fim. Eu teria acrescentado algumas cenas de enxovalho aos clérigos envolvidos na trágica exploração de crianças, mas McCarthy optou por ser mais contido nesse ponto. 

Mark Ruffalo, no papel do luso-descendente Mike Rezendes, é a personagem mais forte, bem acompanhado por Stanley Tucci - o advogado Mitchell Garabedian - e Michael Keaton, o editor Michael Robinson, este novamente numa fase fulgurante da carreira.



SOUNDCHECK:
«CAMISA 10 DA GÁVEA» - de Jorge Ben Jor

Zico, o Galinho, um dos mais geniais futebolistas que tive o privilégio de ver jogar - jamais esquecerei a derrota do Escrete contra a França no México86 e o penálti falhado por ele - fez 63 anos esta semana. 

O eterno 10 do Flamengo teve direito várias homenagens ao longo da carreira, uma delas, quiçá a mais bela, foi cantada por Jorge Ben Jor. Parabéns Zico!

«É falta na entrada da área
Adivinha quem vai bater
É o camisa 10 da Gávea
É o camisa 10 da Gávea

Ele tem uma dinâmica, física, rica e rítmica
Seus reflexos lúcidos
Lançamentos, dribles desconcertantes
Chutes maliciosos são como flashes eletrizantes
Estufando a rede num possível gol de placa
Estufando a rede num possível gol de placa, é gol, é gol

É falta na entrada da área
Adivinha quem vai bater
É o camisa 10 da Gávea
É o camisa 10 da Gávea»



PS: «Post Pop Depression» - de Iggy Pop
O padrinho do punk está de volta e chega bem acompanhado. Josh Homme, mestre e cérebro dos Queens of the Stone Age e Eagles of Death Metal, junta-se e Iggy Pop e o resultado é espantoso. Gardenia, o primeiro single, é uma lufada de luz e guitarras felizes, embalsamadas na voz cansada do excêntrico entertainer de 68 anos. 

Sim, o tronco nu e enrugado de Iggy Pop sobreviveu às mais duras provações e perto dos 70 continua a saltar em palco. Pop e Homme gravaram o álbum em Joshua Tree, no deserto californiano. Homme fartou-se de acordar de manhã e ver Pop de quimono branco vestido.

«Ou era isso ou andava nu. A minha mulher disse-me que o Josh talvez não me apreciasse como ela me aprecia. Decidi, assim, vestir essa peça de roupa».



VIRAR A PÁGINA:

«EL PARTIDO» - de Andrés Burgo

22 de junho de 1986, Estádio Azteca, Inglaterra-Maradona. A tarde da Mão de D10S e do Golo do Século. A Guerra das Malvinas como pano de fundo, o histerismo em redor dos britânicos a chocar de frente com o pessimismo argentino. Andrés Burgo revela dados curiosos: sabiam que as televisões argentinas não enviaram um único narrador ao México? Todos os relatos foram feitos de Buenos Aires.

E sabiam que na véspera do jogo Carlos Bilardo teve de enviar os adjuntos ao mercado negro da Cidade do México para comprar à pressa as camisolas de jogo?  E, mais importante, sabem que produto aplicava o roupeiro da seleção argentina nas chuteiras de Diego Armando Maradona?

«Creme de silicone com querosene branco». Puma, número 37. Pés de D10S.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.