PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«UN VERO PORTIERE» - de Lisa Riccardi
«Algum dia, durante um jogo, telefonarão para a baliza de Higuita e alguém, sabe-se lá quem, atenderá e responderá que ele acabou de sair».

Jorge Valdano, na sua infinita sabedoria, definiu assim o guarda-redes mais louco da história do futebol.

René Higuita era um desenho animado, um cartoon. Cabeleira farta, encaracolada e rebelde, extensão da própria personalidade do arquero colombiano. El Loco foi escorpião, herói e bandido, tudo ao mesmo tempo e várias vezes ao longo da carreira.

Há jogadas que só admitem o céu ou o ridículo. Higuita provou-as a todas. Glosou-se, divertiu-se, encostou o cano frio de uma pistola à cabeça e jogou sem medo à roleta russa. Inconsciente, sempre; espetacular e vibrante, como não?

O convencional aborrecia Higuita. A grande área era para ele só mais um passeio no parque. De luvas, sim, mas por obrigação. Queria mais e teve mais.

Quis o relvado e a baliza inimiga, quis ter a bola nos pés e sair a driblar, atirar beijos para a bancada, gritar i’m the king of the world e voltar à base como se nada de estupidamente especial tivesse ocorrido.

Doido varrido, obviamente, mas uma personagem incontornável na história dos Mundiais. Na Copa 2014 não há ninguém como ele. Já repararam que está na moda o guarda-redes certinho, cavalheiro, que dá os bons dias e sorri perante o leve erguer do chapéu do vizinho?

Courtois (Bélgica), Neuer (Alemanha), Casillas (Espanha), Rui Patrício (Portugal), Buffon (Itália), Lloris (França), Hart (Inglaterra), até Ospina (Colômbia) e Romero (Argentina), tudo moços de bem, encantadores, genros de sonho.

É por isso, muito provavelmente, que a italiana Lisa Riccardi realizou esta curta-metragem. Pegou nas imbecilidades de Higuita no Mundial90 e tornou-as o alvo da obsessão de uma menina.

Com isso fez cinco minutos de futebol e cinema puros, imaculados. Só lhe faltou um telefone a tocar insistentemente na cena final. A baliza estava lá e estava vazia.



PS: «True Detective» - de Nic Pizzolatto.
2014 é o ano da ressurreição de Matthew McConaughey. Ao Óscar de Melhor Ator pelo trabalho em Dallas Buyers Club, o ator juntou esta semana o galardão máximo atribuído pela Television Critics' Awards.

McConaughey foi premiado pelo sublime desempenho em True Detective. Quem segue a série, como eu, só pode aplaudir a decisão. Na pele de Rust Cohle, McConaughey é desarmante, provocador e enigmático.

A trama segue a investigação de vários homicídios (ocorridos no passado) e coloca ao lado de McConaughey um convincente Woody Harrelson (quem não se lembra do barman hilariante de Cheers ou do assassino implacável em Natural Born Killers?).

Do genérico à atmosfera geral, da banda sonora ao peso quase sufocante dos diálogos, um trabalho de culto. Será um clássico daqui a uns anos.




VIRAR A PÁGINA:

TAKE CINEMA MAGAZINE
Nada melhor do que celebrar o Campeonato do Mundo com uma edição exclusivamente dedicada à relação entre o futebol e a Sétima Arte. Esta revista digital (portuguesíssima) apresenta 150 páginas de louvor à união entre estas indústrias.

Um número absolutamente imperdível para qualquer leitor do PLAY, mais do que habilitado a analisar um jogo do Mundial e a sorver a perícia de um thriller hitchcockiano.

Carlos Reis, editor deste excelente projeto, afirma que os dois universos nasceram para co-existir. Quem me lê sabe que eu não podia estar mais de acordo.

Atentem bem: há Pablo Escobar e Mané Garrincha, Eusébio e António Silva, Tostão e Colin Firth. E mais, muito mais, tudo assente em análises bem redigidas e obviamente embeiçadas, no bom sentido, por duas das minhas maiores paixões.

Para aceder a este verdadeiro paraíso (creio que sem acesso a 72 virgens virtuais) basta consultar este link: www.take.com.pt.

Imagine um projetor e um relvado, uma sala escura e bancadas cheias. Aproveite tudo, boa viagem!


SOUNDCHECK:


«SOU RONALDO» - de Marcelo D2.
Na passada sexta-feira escutava a Rádio Nova e apanhei por acidente esta música do antigo líder dos Planet Hemp. Foi sugerida pelos colegas do site Folha Seca no programa Musicas p’ró Mundial.

O próprio Ronaldo Fenómeno aprovou a melodia. Alegre, festiva, devidamente ritmada, com um refrão forte, todos os estádios do Mundial deviam passá-la antes do pontapé de saída ou nos intervalos.

Divirtam-se, abanem as ancas, façam figuras tristes em frente ao espelho, cantem com espalhafato.

E que fique bem claro: aprovo o comportamento, mas eu não fiz nada disso!

«Sou Ronaldo
Muito prazer em conhecer
Eu sou Fenômeno
Ronaldo Nazário dos campos

E quero muito agradecer a Deus
Por ter me escolhido no meio de tantos
Igual a todo brasileiro, eu sou guerreiro
Às vezes caio, mas eu me levanto, mas eu me levanto
»



PS: «Lazzaretto» - Jack White.

Jack White nunca soou tão denso, indulgente e esquizofrénico como neste seu último trabalho. O som da guitarra permanece carregado, pesado, não raras vezes perturbante, mas tudo o que o rodeia é mais cénica e fotográfico, como se o músico estivesse, mais do que nunca, interessado em pintar a vida do seu (muito especial) ponto de vista.

Deixo-vos como esta faixa, «High Ball Stepper». Meramente instrumental, mas ilustrativa da ansiedade que acompanha para todo o lado a pressa de White em ser genial. 



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«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas, livros e/ou peças de teatro através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.