PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«MATRAQUILHOS» - de Juan José Campanella  
  
Recordo o ar bafiento do boteco. Uma cave escura, pejada de teias de aranha e pó. Descer ali, ao santo sepulcro dos matrecos, era - per se - uma experiência fantasmagórica. As cervejas e as gargalhadas em forma de fumo faziam o resto, prometendo uma ressaca divinal para o dia a seguir.

Naquela mesa a transbordar de óleo, todos sujávamos os dedos e purgávamos a mente. Jogos de quatro, dois de cada lado, um a tomar conta do guarda redes e da dupla de defesas, o outro a manipular os cinco do meio campo e os três avançados: 2x5x3, a eterna tática dos matraquilhos.

Não sejam paternalistas, nem condescendentes. Para nós, sonhadores e idealistas no final da adolescência, a ciência da mesa de matrecos perdura até hoje. Não era só bater na bola com força e fé num deus menor. Tudo obedecia a um código de ética, um livro de regras criado por nós.

Só se podia driblar assim e fazer roletas era absolutamente proibido. Ai de quem tocasse na bola com as mãos ou levantasse a mesa com o entusiasmo do remate. Tudo era sério para os quatro que jogavam e tudo era permitido para os que esperavam a vez, num cenário de profanidade apaixonada.

#SomosMatrecos. O lema é tão bom como outro qualquer, com uma diferença. Ali, de facto, reinava o empenho, a dedicação, a conquista. Batíamos no peito porque amávamos aquelas noites de matraquilhos, com resultados anotados num quadro e competição pura e dura entre amigos.

Comparo estes tempos de luxúria aos dias modernos do futebol profissional. Para quê? Para lamentar a falta de identificação da esmagadora maioria dos futebolistas com o emblema que representam, como se o sangue não lhes corresse nas veias e o coração deixasse de bater com o equipamento de jogo vestido.

Preocupa-me, sim, este afastamento emocional dos protagonistas.

Para mim, o futebol só faz sentido num quadro de emoções fortes, de apego e posse. Assusta-me que se fale de fundos, partilha de passes, direções vergadas ao investimento estrangeiro, imposições de patrocinadores e futebolistas com a cabeça lá longe, não sei bem onde.  
#SomosMatrecos não é só a lembrança das minhas noites adolescentes à volta de um bilhar. É a certeza plena de que tudo isto só faz sentido com amor, com sentimento de pertença. Afinal de contas, todos nós – jornalistas, dirigentes, futebolistas, árbitros – trabalhamos todos para o mesmo: o público, o adepto, o sócio.

Daí parto para a sugestão desta semana, um filme animado e que me puxou aos meus dias de excessos nos matraquilhos. Acabei a sorrir, ainda mais convencido de que o futebol é mais do que um jogo, é a projeção perene da ligação entre emblema e massa associativa.

Quando disserem #SomosMatrecos, digam-no com convicção.    



PS: «Joy» - de David O. Russell
O estimável realizador de Guia Para Um Final Feliz (Silver Linings) e Golpada Americana (American Hustle) volta a acertar na fórmula do sucesso. Russell conta a história real de Joy Mangano, inventora e empreendedora norte-americana, recorrendo à multi-premiada dupla Jennifer Lawrence/Bradley Cooper.

A trama não tem a magia das antecessoras, embora cumpra as expetativas e conte de forma segura a ascensão de Joy. Robert De Niro é Rudy, o pai da figura central, dono de uma garagem de automóveis e homem sempre disponível para amar.

É bom não esquecer que De Niro, um ator icónico, um dos maiores da história da Sétima Arte, tem 72 anos. Por isso, qualquer papel que nos ofereça, ainda que menor do que os que celebrizou nos anos 70, 80 e 90, é sempre uma fantástica ocasião para nos rendermos ao seu talento.



SOUNDCHECK:

«THE JOYFUL KILMARNOCK BLUES» - dos The Proclaimers

Adeptos viscerais do Hibernian, clube sediado em Edimburgo, os gémeos Craig e Charlie Reid decidiram escrever uma música sobre a visita ao estádio do Kilmarnock, arqui-rival no futebol escocês. 

A melodia faz parte do primeiro trabalho dos The Proclaimers, de 1987, e é a primeira incursão ao mundo do desporto-rei. Aos 53 anos, o manos Reid continuam ativos e a entoar este verdadeiro hino em todos os concertos que fazem.

«I'd never been to Ayrshire,
I hitched down one Saturday;
Sixty miles to Kilmarnock
To see Hibernian play

I'm not gonna talk about doubts and confusion
On a night when I can see with my eyes shut»


    

PS: «The Waiting Room» - dos Tindersticks
Disco número 11 da banda de Nottingham, comandada pela voz orgânica e arrastada de Mr. Stuart Staples. Longe vão os dias do brilhante Curtains, de 1997, apesar dos excelentes momentos neste novo trabalho, The Waiting Room, lançado no primeiro mês de 2016 e uma excelente forma de comemorar os 25 anos do grupo.

Sugiro este We Are Dreamers, com a colaboração especialíssima de Jehnny Beth, das Savages.

 

VIRAR A PÁGINA:

«Stephen Curry: The Inspiring Story of One of Basketball's Sharpest Shooters» - de Clayton Geoffreys

A biografia daquele que é, para muitos, o melhor jogador da NBA nos dias que correm. Filho do não menos célebre Dell Curry, Stephen herdou do pai o talento para lançar ao cesto, mas foi mais longe. Dell era um base mais posicional, de menos risco, e Steph faz praticamente tudo bem: rouba bolas, explora o jogo interior, discute ressaltos.

O livro pode ser facilmente encomendado através de uma das muitas plataformas de vendas internacionais. Num prazo de três semana estará em sua caso. Para os amantes da NBA.
 

    
«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.