PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«RISE & SHINE: The Jay DeMerit Story» - de Nick Lewis e Ranko Tutulugdzija
Nós, futebolistas amadores, eternos sonhadores, temos um pouco de Jay DeMerit em nós. Toscos, frágeis, limitados, não interessa nada: no fundo, bem no fundo, todos acreditamos ser possível chegar um dia ao Campeonato do Mundo.

Vamos ser sinceros, caros comparsas de frustração técnico/tática. No momento em que calçamos as chuteiras, apertamos os cordões e saltamos para dentro do pelado, o limite [perfeitamente alcançável] é a Taça Jules Rimet erguida aos céus e o planeta futebol de olhos postos em nós.

Os mais sensatos apercebem-se mais cedo da improbabilidade destas diatribes.

Os ingénuos, românticos q.b., brilham nas conversas de café e nos relatos foliões: são capazes de tudo, até de confundir um passe aos repelões com uma assistência genial ou de um tropeção na bola com um drible à Mané Garrincha. Assim que soa o apito final, são os maiores.

Começo por aqui para chegar à história que realmente interessa, a história de Jay DeMerit.

Em sete anos, Jay passou das ligas amadoras em Inglaterra ao Campeonato do Mundo da África do Sul. O feito absolutamente incomum deu origem a este documentário que hoje vos sugiro.

Jay nasceu nos EUA e mesmo no país do soccer foi rejeitado por todas as equipas profissionais. Juntou 1500 dólares, pegou no passaporte, encheu a mochila e partiu para a Europa. Sem qualquer garantia, a não ser a inquebrantável natureza da sua ambição.

Pintou casas, dormiu na rua, alimentou-se de tostas e feijões para sobreviver. A réstia de energia permitiu-lhe jogar no Southall e no Northwood, dois emblemas amadores da cabeça aos pés. Até que um jogo de pré-época, em 2004, mudou-lhe por completo a vida.

Na altura em que o hino nacional dos EUA soou para o jogo de estreia no Mundial de 2010, contra a Inglaterra, Jay estava lá dentro, no relvado, a representar os sonhos de todos os futebolistas amadores.

Um exemplo inspirador, uma narrativa rara.

Da próxima vez que entrarmos no balneário, inspirarmos o odor a bálsamo e calçarmos as chuteiras [pretas e brancas, sempre] para mais 90 minutos de poeira levantada e feridas nos joelhos, todos seremos Jay DeMerit. Tal como ele foi um de nós naqueles estádios sul-africanos.



PS: «Enemy: O Homem Duplicado» - de Denis Vileneuve.
E se um dia a deliciosa monotonia da nossa vida (No Alarms and No Surprises) fosse abalada por uma descoberta assustadora? E se um dia conhecêssemos um homem (ou mulher) exatamente igual a nós e a nossa zona de conforto e ócio se desmoronasse?

O filme baseia-se na obra homónima de José Saramago e segue a tormenta do protagonista, encarnado por Jake Gyllenhall. Uma das poucas ofertas interessantes atualmente nas salas de cinema.




VIRAR A PÁGINA:

«ONZE CONTOS DE FUTEBOL» - de Camilo José Cela
Li um dia um conto sul-americano, creio que narrado por Jorge Valdano, embora não fosse da sua autoria. Contava, muito resumidamente, o ato de heroísmo de um guarda-redes no último minuto de um jogo. Antes de defender um penálti, atira o boné para dentro da baliza e coloca-se na posição para tentar agarrar a bola, não sem antes provocar o adversário.

O duelo acaba com o tal guarda-redes a defender o remate e a tornar-se, por segundos, o herói da multidão. Com a bola bem segura e um sorriso de troça nos lábios, o provocador entra na baliza para ir buscar o boné… pois, golo do adversário, e o herói tornou-se proscrito.

A história não é real, mas encaixaria perfeitamente neste livro que vos recomendo deste fantástico escritor galego. Nele tudo é ilusão, fantasia, sonho. Nele tudo é futebol.

O exemplo do FC Waldetrudis Pucará, team de insuspeita honestidade e valor, é delicioso. É lá que jogam Mazuco e Pinchaúvas, a dupla que partilha uma tatuagem na barriga: «nós dois fazemos uma multidão e enquanto isto for assim nem Napoleão Bonaparte nos mete um golo».

Tudo a fazer de conta, tudo tão bom.


SOUNDCHECK:

«MEU MUNDO É UMA BOLA» - de Sérgio Mendes e Pelé.
Um dos mestres da bossanova pôs Pelé a cantar e o Rei… desafinou. Para sermos justos e rigorosos, não desafinou, mas andou lá assustadoramente perto.

No momento em que fruímos de um grande Mundial no Brasil, nada como recordar esta passagem meteórica do maior dos maiores pela música. De mão dada com um grande senhor, mas sem encontrar verdadeiramente o rumo do golo.

«Vem minha gente, vamos cantar
O mundo é uma bola, tem que girar
O tempo não para, tem que passar
Façam amigos e vamos cantar, lalaia

Esta mensagem quero deixar
Um mundo melhor está pra chegar
Sem vício, sem guerra, como irmãos
Aqui nesta terra iremos cantar, lalaia

Vem minha gente, vamos cantar
Um mundo melhor está pra chegar
Sem vício, sem guerra, como irmãos
Aqui nesta terra iremos cantar, lalaia«




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