Ao contrário de quase todas as expetativas, José Peseiro não visitará a Luz a três pontos de distância. Estranhamente o FC Porto falha quando não poderia falhar, se é que uma equipa atrás do prejuízo poderá falhar alguma vez. Mas a verdade é que o Porto deixa não só fugir o Benfica, a quem pode recuperar pontos na próxima jornada, mas poderá ficar a uma distância inimaginável de oito pontos quase que irrecuperáveis.

Perante isto, que duelo vamos ter? Que treinadores encontraremos na próxima 6ª feira na Luz?

De um lado temos um Rui Vitória diferente. E diferente desde quando? É que o jogo menos positivo na Madeira frente ao União foi há pouco tempo. E desde aí o Benfica, para lá dos murros na mesa do treinador, vem disparando triunfos, golos e algumas exibições convincentes. Rui Vitória mudou de discurso. É hoje alguém mais solto. A tal palavra caminho está lá. Mas hoje até tem lógica que a palavra lá esteja. As explicações hoje de quem joga e porque joga hoje também estão lá, mas face à fluidez de jogo que a equipa apresenta e onde vão aparecendo jogadores novos, são mais fáceis de escutar.

Que perfil tem este Rui Vitória? Hoje é mais fácil perceber o percurso do treinador até aos dias de hoje. Uma pré-temporada que não é dele. Um jogo a matar logo frente a um Sporting super motivado e bem preparado. Reforços que não eram dele. E se há feridos e culpados por todo o lado, talvez o erro do treinador dos encarnados foi não ter conseguido assumir o luto com aquilo que recebia (e era bom) mais cedo. Porque a escolha não era fácil para o comum dos mortais: aproveitar aquilo que o plantel do Benfica oferecia, quer em termos de jogadores quer em termos das dinâmicas já muito enraizadas. Mas Rui Vitória – e não sabemos como e porquê – decidiu numa determinada altura e as coisas têm corrido bem.

Uma das caraterísticas mais interessantes de Rui Vitória é a liberdade que oferece e que procura que os jogadores assumam.

Não ganhou nada é verdade, mas se a época terminasse hoje, este Benfica ganharia algumas coisas engraçadas para um futuro próximo. Rui Vitória tem e conseguiu impor algumas das suas ideias. Conseguiu descobrir e apostar em jogadores, percebe-se que tem uma predisposição para potenciar jovens e percebe-se ainda muito melhor que os jogadores estão com ele. Talvez uma das caraterísticas mais interessantes de Rui Vitória é a liberdade que ele oferece e procura que os jogadores assumam. Liberdade, autonomia em alguns locais e a facilidade com que se aproximou de alguns futebolistas. Bem como o afastar de jogadores que o treinador considerou que quer técnica quer comportamentalmente não iam ajudar a equipa.

José Peseiro em ação na derrota com o Arouca

Pedia-se a Peseiro que conseguisse não apenas trazer dentro de campo mas também para a gestão das relações interpessoais.

E José Peseiro? Quem é este treinador de Coruche? Bem, é um treinador que andava à procura desta oportunidade. Estava e não a quer desperdiçar, mas percebeu-se hoje que não vai ser fácil esse aproveitamento. Não saberemos se uma Taça de Portugal recuperará algo. Pode dizer-se que o mal do FC Porto não era apenas a falta de ideias para os jogadores que o clube possui. Não era uma ideia de jogo, um modelo que fosse mais eficiente que ia resolver tudo. A raiz está lá e com a saída do treinador espanhol, o que Peseiro encontrou foi um conjunto de jogadores com qualidade individual, um conjunto de jogadores que não perfazem uma equipa, um número interessante de jogadores ajustados à imagem de Lopetegui e para estes males, pedia-se que Peseiro conseguisse não apenas trazer ideias para dentro do campo, mas também para a gestão das relações interpessoais.

E é esse campo, sem fazer qualquer juízo pejorativo sobre o treinador português, que considero ser o menos bom. A área onde, ano após ano, foi ficando sempre menos eficiente. O FC Porto poderia ter ganho ao Arouca, poderia ir à Luz a três pontos, que continuaria a escrever isso. E se essa vertente já é muito importante em qualquer grupo de pessoas, neste momento, diria que não é importante, é o importante.

E há o tal gesto de Brahimi...

O gesto de Brahimi ao sair reflete o que escrevo aqui. Um jogador daqueles pode resolver um jogo, especialmente contra uma equipa que defende bem e com muitos. Um jogador à Lopetegui. O jogador argelino é um abre-latas e isso seria compreensível que Peseiro o mantivesse. Mas um mal nunca vem só.

Dentro disto tudo, ao final da noite de sexta-feira um destes treinadores (ou os dois) estarão menos felizes. E, com isso, muito da época interna ficará também mais próxima de estar perto do fim. Vamos ver como vão ser os cinco dias e que tipo de discursos vamos ter. Apostaria que do lado de Rui Vitória vai existir um discurso de confiança, mas tentando gerir o excesso e a confiar na arbitragem. Isto porque acredito que do lado do FC Porto vão puxar ao máximo todas as variáveis que podem decidir o jogo. Eles, os outros e os terceiros. 

Os «Óculos do treinador» são um espaço de opinião de Rui Lança, formador nas áreas de liderança, coaching, equipas e treinadores, que escreve na MFTotal todos os domingos.