Confesso que me custa muito ver alguém menosprezar o futebol.

Aquela história dos 22 homens atrás de uma bola ou que é só um jogo ou que são eles que ganham o dinheiro e nós as chatices ou outra coisa qualquer que assim queira acrescentar ao naipe. A pior de todas, contudo, é a do ‘é só futebol’.

Como se música fosse só barulho afinado, cinema imagens em movimento ou pintura cores misturadas numa tela.

O golo do Eder (a propósito, dava um belo título para um espaço de opinião, não?) é a prova viva daquilo que o futebol pode fazer por um povo. Da alegria coletiva que abraça o conhecido e o desconhecido, muitas vezes, literalmente.

É por isso que, em sentido inverso, tenho muito respeito por quem valoriza tanto o futebol. E, neste campo, tenho de ter uma palavra especial para um clube que também o é. Vitória Sport Clube, como os adeptos fazem questão que seja identificado. Vitória de Guimarães para a generalidade do país.

O Vitória atual é um case-study. De sucesso, entenda-se. E não o digo porque a temporada corrente está a ser especialmente feliz, dada a diferença de apenas um ponto para o segundo lugar. Faço-o pelo que tem sido a equipa nos últimos anos. Pela forma como se reestruturou e praticamente nunca abanou com um processo de autêntico downsizing a decorrer. Um autêntico manual de como ser feliz em tempos de crise.

Vamos a factos. Em 2012 o Vitória apresentava um resultado negativo nas contas que chegava quase aos 10 milhões de euros e um passivo superior a 20 milhões. O novo presidente, Júlio Mendes, com apoio dos associados, lança o aviso: vem aí tempo de vacas magras. Fechava a torneira e seria preciso lutar com armas menos afiadas.

Isto foi há quatro anos. Este ano, percebe-se facilmente, o investimento na equipa já foi superior ao que foi regra nos últimos três. Mas em todo este período de evidente controlo financeiro, o Vitória esteve bem à altura das exigências. Mais do que seria de prever, até. E mais do que, certamente, lhe seria exigido.

Rui Vitória, o treinador que apanhou o período de transição, tem um mérito tremendo, claro. Pela forma como do pouco fez muito, sugando até ao tutano os recursos existentes e lançando bases para que, agora, o projeto possa crescer.

Logo no primeiro ano a equipa venceu, como se sabe, a Taça de Portugal. Quando muitos imaginavam um Vitória a lutar para não descer, apoiado em miúdos que vinham da equipa B ou escalões secundários do futebol português, entrava no museu a primeira Taça da história do clube.

Na Liga, as temporadas eram tranquilas e, há dois anos, até deu para um quinto lugar.

No campo, sucediam-se os projetos que se transformavam em jogadores interessantes. Uns que até saltaram para grandes emblemas, como André André, Paulo Oliveira, Ricardo, Tiago Rodrigues ou Hernâni. Outros que, (ainda) não chegando lá, mostraram qualidade ou explodiram de vez, como Bernard, Amido Baldé, Marco Matias, Ricardo Gomes, Cafú ou Ricardo Valente. E por lá ainda andam Bruno Gaspar, Raphinha, João Pedro, Josué ou João Miguel Silva. Sem contar com casos específicos como o emprestado Otávio, mas também Maazou ou Henrique Dourado.

Todo um rol e ainda nem falei da fénix Marega. Já perceberam a ideia, não é?

O ponto que acho mais incrível é que todo este trabalho tem quatro anos. Quatro! Quando deveria estar sugado, o Vitória andava a ganhar Taças e a disputar provas europeias. Quando deveria dar os primeiros passos para reerguer-se, o Vitória parece consolidado. A aposta em Pedro Martins ajudou. Treinador competente, conhecedor da casa e com fome de triunfos. Que se junta à vontade de comer de um povo.

E é aqui que terminamos. No mesmo sítio onde começamos. Se o Vitória é um case-study de sucesso, como defendo, também a massa adepta que o apoia, que faz com que o clube jogue em casa seja qual for o adversário (são poucos mais em Portugal que o podem dizer) tem a sua quota-parte de mérito.

Um povo para quem o futebol nunca é só futebol merece ser feliz. Merece que um clube os faça feliz. Ali, parece-me, há um casamento perfeito.

É provável que não vivam felizes para sempre, porque tudo isto é muito volátil, mas se uma crise é assim, como não sonhar com o mundo nos tempos de bonança?

«O GOLO DO EDER» é um espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória». Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.