PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«FLAxFLU: 40 Minutos Antes do Nada» - Renato Terra

Abençoada rivalidade. O que seria do nosso clube sem o arqui-rival, Némesis omnipresente? O que seria do adepto comum sem o colega de trabalho de outra crença e filiação?

Todo o amor pelo emblema, pelas cores, pela instituição faz muito mais sentido quando há um alvo do outro lado. Celebrar a apropriação das vitórias, sorrir à derrota dos outros.

Esqueçam os excessos – tão frequentes -, a boçalidade, a falta de inteligência, o anti-desportivismo. Aqui fala-se do lado bom desse cruzar de espadas, dessa ânsia de suplantar o poderio opositor, de erguer a memória e histórias passadas para projetar os futuros embates.

Poucos duelos no mundo têm a riqueza do FlaxFlu. Flamengo e Fluminense, gigantes cariocas, representantes oficiosos de classes sociais e formas de estar na vida.

Neste documentário há preciosidades impagáveis. Frases soberbas, disparadas naquela insolência carioca e que só os cariocas sabem ter. Há figuras públicas – músicos, atores, apresentadores de televisão – e relatos de dérbis devidamente gravados nas memórias individuais.

Recorda-se Chico Buarque e uma frase pungente: «Ser Flamengo é falta de imaginação».

Há Romário, há o cântico de Assis ( «Recordar é viver, Assis acabou com você!») e a devoção a Zico.

«O único homem bonito na Terra foi o Zico nos anos 80».

Há provocação explícita: «Ser Fluminense é ser um pioneiro das divisões secundárias».
Há superstição pueril: «Quando o Flu ataca eu abano a televisão. É para ver se os desequilibro».

Há uma união de «mais de 40 anos» e um sorriso desdentado. «Anteciparam um Fla-Flu para o dia do meu casamento. Tive de casar um ano depois pelo Civil».

E há a conclusão recíproca e comum. Uma das poucas a unir Mengão e Fluzão.  
«Bendita a mulher que é amada como um clube».

Eu amo o futebol. 

 
PS: «As Mil e Uma Noites: o Desolado» - Miguel Gomes
Quando este texto for publicado, já todos saberemos qual será o próximo Governo. Não pretendo trazer para este espaço nobre - se me permitem um raro auto-elogio - as diatribes da Política, nem ouso influenciar quem quer que seja. Aproveito, porém, para sugerir este filme, que se revela uma verdadeira lição social.

Para os que têm memória curta e se esqueceram nas últimas semanas de tudo o que tivemos de suportar nos últimos anos. Mas também para quem não se conforma com a apologia da precariedade e com a ideologia da miséria cultural.

Um excelente filme português para, enfim, todos os portugueses.




VIRAR A PÁGINA:

«BÍBLIA DO FLUMINENSE» - Sérgio Trigo

Se um clube tem uma dimensão metafísica, quase religiosa, então só uma bíblia pode fazer jus ao seu historial. Esta é a do Fluminense, nasceu em dezembro de 2014 e investe grande parte das suas páginas na maravilha década de 80 do tricolor.

O tricampeonato carioca, o segundo título brasileiro, as aventuras e desventuras de personagens com a riqueza de Assis ou Renato Gaúcho. Para aficionados do Flu e apaixonados pelas boas estórias que o mundo do futebol nos dá.
 

SOUNDCHECK:

«INCOMPATIBILIDADE DE GÉNIOS» - João Bosco

O livro é do Fluminense, a música canta o Flamengo. E logo pela voz de Caetano Veloso, Chico Buarque e João Bosco, três figuras sagradas da música brasileira. Para ouvir devagarinho.

«Dotô,
jogava o Flamengo, eu queria escutar.
Chegou,
Mudou de estação, começou a cantar.
Tem mais,
Um cisco no olho, ela em vez de assoprar,
Sem dó falou,
sem dó falou ,que por ela eu podia cegar»
.




PS: «Depression Cherry» - Beach House
Victoria Legrand e Alex Scally voltam a fazer tudo bem. Há graciosidade, há luxúria, há reflexão, há grandes canções. É a continuidade perfeita do maravilhoso Bloom e a certeza de que a dupla de Baltimore é um dos projetos artísticos mais entusiasmantes nesta década e meia do século XXI.

Sparks e Space Song são melodias encantadoras, talvez as mais preciosas dentro de uma obra unida por elos credíveis e inquebráveis.



«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.