Se enquanto escrevo estas linhas o meu PC pifasse, teria toda a confiança em entregá-lo ao Nuno Manta. Depois de dizer-me «desligue e volte a ligar a sua máquina», ele certamente faria o seu melhor ar de geek para uma longa explicação sobre motherboards e upgrades dos componentes, que eu acompanharia com um vago acenar de cabeça.

Tal como se eu tivesse o meu carro para arranjar não teria problemas em colocá-lo nas mãos do Ricardo Soares. Acredito que ele faria o diagnóstico mal levantasse o capot, disparando ao primeiro olhar: «Isto é a junta da colaça, amigo… É preciso mudar o óleo e reparar o sistema de lubrificação.»

Manta e Soares têm ao mesmo tempo ar de gente comum e de quem percebe da poda, quero eu dizer.

Como ambos se dedicaram ao futebol, o que vejo, assente num conhecimento livresco ou mais empírico, consoante o caso, são dois grandes treinadores em potência.

A última jornada mostrou isso mesmo: Feirense e Desp. Chaves defrontaram-se e, como esperado, protagonizaram um excelente jogo de futebol (3-2, com reviravolta para os de Santa Maria da Feira). Apesar de terem mudado de treinador a meio da época, as duas equipas promovidas nesta temporada na Liga já têm a manutenção garantida. Essa é melhor prova do bom trabalho de técnicos estreantes, que há três meses eram pouco mais do que ilustres desconhecidos entre a elite do futebol nacional.

Ricardo Soares (distinguido segunda-feira como treinador revelação pela FPF) subiu a pulso desde os escalões mais baixos, tal como, por exemplo, Daniel Ramos, que apresentou o seu cartão-de-visita na Liga com uma extraordinária recuperação no Marítimo, guindando os madeirenses da luta pela manutenção para a luta pela Europa. Manta, por sua vez, é prata da casa, como o é Vasco Seabra, um ruivo bem-falante que dá ares de Villas-Boas pacense – Poderia ser o quê? Agente de seguros, bancário, Elder? Em qualquer dos casos teria um discurso coerente, inteligente e honesto, capaz de convencer o seu interlocutor.

Aposto, por exemplo, que jamais verei uma equipa treinada pelo Seabra assumir o antijogo desde os primeiros momentos em que a bola começa a rolar, a ponto de conseguir queimar um sexto do tempo total de jogo. Aliás, o Paços até é a prova que é possível tirar pontos aos grandes sem esse tipo de estratégia e a nível organizativo é também o exemplo um clube cumpridor, com uma gestão financeira responsável, que ano após ano concorre de forma leal.

Mas regressemos ao ponto anterior: o nível dos treinadores portugueses é bastante superior ao do nosso campeonato e esta época trouxe-nos pelo menos mais quatro revelações, que se juntam a confirmações de grande competência como Luís Castro, Miguel Leal, Pedro Martins…

Nesta semana em que se juntam mais três despedimentos que fazem subir o número de «chicotadas» na Liga à dezena e meia, confesso: se em vez de um carro e um PC eu tivesse um clube de futebol para gerir entregaria a equipa principal nas mãos de gente comum com ar de quem percebe da poda: como o Nuno, o Ricardo, o Vasco ou o Daniel.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.