Os jogos vejo-os no sofá. As finais, na carpete.

Em casa, vivo os momentos decisivos quase a mergulhar pelo ecrã de televisão adentro.

Fiz escola e ao meu lado, qual imitador, tenho o meu melhor amigo.

Aos oito dias de vida, já ele via o seu primeiro jogo: meia-final do Euro 2012, perdida frente à Espanha nos penáltis – pontapés de penálti, como dizem os árbitros-comentadores, desempate por pontapés da marca da grande penalidade, como dizem os ainda mais puristas.

A mudança havia sido recente, pelo que ainda nem carpete tinha em frente ao televisor. Perdia-a de pé, com ele ao colo.

Foi já sobre ela sentados, quase a mergulhar pelo ecrã da televisão adentro, que a 10 de julho de 2016 vimos as traças de Saint-Denis pousarem na cara de Ronaldo, como que querendo secar-lhe as lágrimas. Aguentámos até ao prolongamento. Até que uns dez segundos antes de Eder chutar para a glória, a mãe, lá de dentro, ouviu um golo ecoar na rua e gritou um golo que ouvimos na sala.

Maldita dessincronia. Bendito momento.

Campeões da Europa de futebol. Em França. Sobre a França. Até espreitámos na varanda para ver o fogo-de-artifício, antes da minha ordem para deitar.

Sábado à noite, lá estávamos nós, viemos a correr para casa para ver o Portugal-Espanha e com os minutos a passarem já nós nos afundávamos naquela espécie de tapete voador que nos eleva à condição de campeões.

O argumento, improvável, repetia-se, o que o tornava ainda mais inverosímil: o nosso melhor jogador lesiona-se, mas os restantes, decididos a fazer história, ganham no prolongamento o Campeonato da Europa à seleção favorita.

Desta vez, com a mãe na sala, nem dessincronia houve quando o Bruno Coelho fez de Eder e chutou para a glória a 55 segundos do fim.

Sábado, 10 de fevereiro, 22 horas de Portugal continental: um livre direto acaba no fundo da baliza espanhola. E nós a vibrarmos com futsal, como se fosse futebol.

«O Ronaldo lesionou-se e nós fomos campeões. E agora o Ricardinho lesionou-se e somos campeões outra vez», não tardou ele a dizer-me.

Sábado, o Gui foi deitar-se mais tarde. Dormiu como um campeão, com mais um título europeu no bolso do pijama.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.