«Estiveram no Estádio Nacional esta tarde 1449 adeptos!!!!»

Assim mesmo, com direito a quatro pontos de exclamação logo a abrir, a Belenenses SAD reivindicou, triunfal, a proeza de ter conseguido preencher 4,53 por cento dos lugares no Estádio do Jamor na penúltima jornada da Liga – a primeira que jogou na nova casa sem poder contar com o boost de um grande.

A sublinhar a façanha, uma foto em plano fechado onde não se veem mais do que 60 pessoas: só uma delas com a camisola azul e a Cruz de Cristo ao peito – tantas quantas do David Bowie nesta singela amostra da plateia.

O tweet do meu espanto conclui-se assim: «Qualquer informação contrária é pura má fé!»

Na verdade, qualquer informação contrária pode resultar de um exercício de curiosidade jornalística, desde logo testemunhada por quem lá esteve.

Olhando para as fotos em plano aberto, apesar de modestos, os números oficiais aparentam estar empolados e estão seguramente longe de justificarem qualquer satisfação.

Há, desde logo, que levar em conta a considerável falange de apoio do Vitória de Setúbal no referido jogo. E há sobretudo que salientar que, no início da época, este Belenenses detido pela empresa Codecity havia feito uma campanha inédita em que a renovação do lugar anual no recinto emprestado era feita de forma gratuita, dependendo apenas de o envio de um e-mail.

Lembrei-me deste episódio, já com um par de semanas, no passado domingo, dia do 99.º aniversário do Clube de Futebol Os Belenenses, o original, que em virtude com a cisão com a SAD tem agora a sua equipa sénior a jogar no campeonato da Associação de Futebol de Lisboa.

Ao comparar os azuis que jogam no Restelo na última divisão do futebol distrital com os azuis do Jamor que disputam a primeira do futebol profissional há uma questão primordial que se levanta:

Joga para quem o Belenenses SAD?

Sim, para que adeptos? Representa que comunidade?

Lendo notícias recentes, que aludem à venda de parte de passes de jogadores à la carte, indiciando uma relação de subalternidade com um dos grandes do futebol português (longe de ser caso único), poderia haver outras questões a assaltarem-nos o espírito por esta altura. Do género: servirá para quê este Belenenses?

Esclareça-se que, mesmo antes da cisão, consumada esta época, não eram famosas as assistências no Restelo. Na época passada, a média (apesar da pouca fiabilidade dos números oficiais) havia sido de 3 344 espectadores por jogo e a melhor casa (12 851) aconteceu frente ao FC Porto, que já este ano levou 10 901 espectadores na jornada 2 ao Jamor.

Excluindo a receção aos dragões, o panorama da primeira amostra de público do novo Belenenses foi desolador e deixa-nos adivinhar cenário semelhante no Estádio Nacional pela época fora. Continuando já no próximo domingo, aquando na receção ao Sp. Braga – o rombo, ainda assim, será certamente mitigado pela forte presença de adeptos do clube minhoto.

Na verdade, ao questionar-me sobre para quem joga este Belenenses SAD, penso numa série de clubes representativos e cheios de gente que estão por essas divisões abaixo.

Lembro-me desde logo dos dois jogos entre Lourosa e União Lamas, para o Campeonato de Portugal da época passada, a rondarem cada um os dez mil espectadores nas bancadas… E quase por absurdo que apetece estabelecer uma norma a exigir um quórum nas bancadas um jogo de uma liga profissional se possa realizar:

«Alteração ao regulamento: se se ouvir o eco do que dizem os jogadores em campo nem vale a pena dar o apito inicial, já que a partida não será homologada.»

Convenhamos: a regra acabada de inventar não é muito mais disparatada do que algumas que foram sendo aprovadas pelos clubes ao longo dos últimos tempos.

Se, fora do campo, têm vindo a público motivos de sobra para fazer corar de vergonha o futebol português; dentro dele, esta divisão do Belenenses é um dos exemplos mais paradigmáticos da nossa incapacidade.

É paradoxal haver uma espécie de Belenenses sem adeptos na bancada a jogar ao mais alto nível, enquanto o Belenenses histórico comemora o ano do seu centenário com um penoso regresso ao futebol amador.

Paradoxal e triste. 

It's so SAD.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.