Quem me tira uma newsletter e dois ou três tweets logo pela manhã, tira-me tudo. É isso e ler uns posts no Facebook.

Não é que eu seja muito antigo, mas sou do tempo em que os scouts eram só olheiros e nem sequer havia team managers.

No início, claro, o futebol era produto de importação. Era football e jogava-se em matches com o objetivo de fazer goals. Gentes de antanho dizem ainda hoje que o liner não marcou o offside e eu acho isso bonito.

Ao longo do tempo, os termos essenciais do jogo aportuguesaram-se. No entanto, o inglês fez o seu pressing fora de campo e voltou em força para fazer um lifting ao léxico do acessório.

Não é que eu seja muito antigo, repito, mas no meu tempo havia cativos no lugar de Dragon Seats, Gameboxes e Redpasses.

Hoje vamos à bola acompanhados por spotters e assistidos por stewards. E com o merchandising do clube, sentamo-nos, antes de a bola rolar, a ouvir o set de um disc jockey intercalado pela voz do speaker, na bancada do sponsor de um estádio que um dia ainda irá vender o naming.

Noutros tempos, havia blackouts, lá isso havia. Mas essa era a exceção: falava-se mais frequentemente e com maior autenticidade. Agora, os treinadores falam sobretudo nas flash interviews. Há quem lá vá dizer que joga na red line, seja lá o que isso for, e quem desvalorize o que são «peaners», seja lá o que isso for. Há quem lá vá para fazer mind games; cada vez mais comuns numa modalidade que atrai até mental coaches.

Paradoxalmente, estamos cada vez mais anglófonos à medida que nos afastamos do fair-play very british dos primórdios. Faz-se umas concessões ao castelhano, de canteras a remontadas, outras ao italiano, do catenaccio e dos tifosi.

(Por exemplo: ainda há dias a Federação Portuguesa de Futebol criou uma escola de futebol – excelente iniciativa –, que vai-se a ver chama-se Football School, para fazer pendant com as Talks, que vai-se a ver e afinal é um fórum sobre futebol.)

Francês é que nada. Rien de rien. Se já era cada vez mais proscrita nos programas curriculares, agora esta língua não é bem quista sequer nos campos de futebol.

Antigamente, tocar piano e falar francês era condição de finesse para qualquer menina de bem.

Hoje, quem ousar dizer palavras, mesmo que impercetíveis, na língua de Voltaire e Victor Hugo pode muito bem receber ordem de expulsão e apanhar um valente castigo (vai-se a ver e, apesar do argumentário falível, acabaram mesmo por ser dois jogos de suspensão).

Já não há aquela deferência pelos clássicos, tampouco pelos artistas.

Notre football ne parle pas français

Deal with it, Brahimi.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.