Quando contarem a história do FC Porto nesta Liga atentem naquela baliza do topo norte do Dragão. Sim, na do shopping. Não precisam de olhar para toda ela. Olhem-na de frente. Foquem-se naquele canto inferior esquerdo junto ao poste. Estão a ver?

Foi por esse cantinho que, já dos descontos, a cabeça Lisandro empatou um Clássico para o Benfica. Foi por esse cantinho que, já nos descontos, a cabeça de Coates não empatou um Clássico para o Sporting.

[Nota: neste Clássico, o FC Porto teve a sorte que lhe faltou contra o Benfica. Sacrificou-se, resistiu a uma reação categórica de um leão sem nada a perder na segunda parte… E saiu vivo.]

Sábado à noite, Casillas não salvou apenas um golo ao cair do pano. Com aquela palmada antológica terá segurado também nas suas luvas a força anímica de uma equipa, que poderia quebrar com o déjà vu de ver um rival voltar a roubar-lhe dois pontos na cena final quase repetida.

Quando contarem a história do FC Porto nesta Liga podem reservar um capítulo – pequeno ou grande, ver-se-á daqui em diante – para uma estreia de sonho de azul e branco de um jogador que há dois anos e pouco andava de cedência em cedência num périplo por remotos campeonatos estaduais de norte a sul do Brasil. E pasmem-se com o futebol, que torna a aposta em Tiquinho Soares, vendedor ocasional de picolés na adolescência, mais profícua do que a feita no engenheiro Depoitre, ou no renomado Adrián López, que há dois anos e pouco chegava ao Porto como finalista da Champions e 12.º jogador da equipa-sensação na Europa.

Mas quando contarem a história do FC Porto nesta Liga falem de Danilo, claro, que foi decisivo e contundido jogou até ao fim, mas também de um lance aos 22 minutos do Clássico, que quase passou despercebido, e que faz toda a diferença relativamente ao FC Porto apático e derrotado da época passada. Expliquem, apesar da exibição apagada, o caso de Yacine Brahimi. E percebam na descrição desta jogada como ele passou de dispensável a imprescindível:

Aos 22 minutos, Alex Telles bate um canto, o Sporting recupera e contra-ataca por Gelson Martins. Ao ver o lateral-esquerdo apanhado em contra-pé, Brahimi faz um pique de 60 metros, de uma área à outra, para compensar o colega e aparecer no bico da área portista a surpreender o veloz Gelson com a recuperação.

Brahimi «o brinca na areia»; Brahimi o «fazedor de rotundas». Ele mesmo, a correr esbaforido mais de metade do campo para vir defender. O artista tornou-se num jogador de equipa, juntou ao talento espírito de sacrifício. Para atestar o grau de compromisso de que muitos duvidavam, é vê-lo no final a celebrar aquela defesa de Casillas como se de um golo se tratasse.

Se outro mérito ele não tiver, quando contarem a história do FC Porto nesta Liga, concedam a Nuno Espírito Santo pelo menos esse.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado na designação dada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.