«Cada um usa os seus truques e nós já descodificamos esta novela. Até já prevejo os próximos capítulos. Já disse anteriormente que todos estamos unidos. Depois, ninguém manda pedras a uma árvore que não dá frutos. Sou obcecado pelo Benfica, mas pelos vistos há dois treinadores obcecados pelo Benfica.»

Rui Vitória decidiu entrar no campo de batalha idealizado por Jorge Jesus e o treinador do Sporting ultrapassou o limite na resposta: fê-lo em Setúbal, depois de uma goleada fantástica frente ao Vitória, uma das sensações da Liga.

E assim, em vez de escrever sobre o 6-0 do Benfica ou os 0-6 do Sporting, que aumentou a vantagem para o 2º classificado face ao sofrível empate do FC Porto, tenho de debruçar-me sobre o Código d’Amadora.

O meu colega Sérgio Pereira, que acompanhou a polémica conferência, alertou-me para um dado essencial: Jorge Jesus terá reagido a quente porque foi questionado sobre o seu alegado estatuto de «mau colega» e «mau caráter». Rui Vitória não disse claramente isso.

Surgiu então o excesso, naturalmente reprovável, baseado num equívoco.

«Como eu não o qualifico como treinador, não sou mau colega dele. Para ser treinador tem de ser muito mais.»

Jorge Jesus exagerou. Não há sombra de dúvidas quanto a isso. Acredito que se possa ter arrependido, já que o grande objetivo, parece-me, era apenas dar continuidade a um ‘mind game’ recorrente.

O treinador fala muito. E quem mais fala, mais erra. Isso todos sabemos. Mas raramente interpretei as declarações inflamatórias de Jesus como reflexos imaturos, inocentes, sem propósito.

Jesus assumiu o seu objetivo na mesma conferência de imprensa: quer no fundo desestabilizar Rui Vitória.

«Fi-lo sair da toca, era o que queria. Tem de se assumir. Agora vamos ver se aquele Ferrari continua, como a equipa do Sporting. Quando conduzes um Ferrari tens de ter andamento para ele. Acho isto tudo normal, desde que não entremos na vida particular. Isso não farei, não vou ofender nenhum colega.»

A estratégia é perfeitamente legítima e não perde efeito com os habituais pontapés na gramática, como as três ou quatro vezes em que disse «obsão» e não «obsessão». Também está bem.



Rui Vitória diz que já descodificou a novela e veremos como responde aos próximos capítulos. Uma coisa é certa: fazem sentido no futebol, desde que sejam respeitados os limites. Não podíamos ovacionar Mourinho quando se atirava a Wenger e decretar agora pena máxima para Jorge Jesus pela sua estratégia. Sim, estratégia pura.

É curioso lembrar, por exemplo, o que aconteceu quando Jesus se sentiu incomodado com o próprio Mourinho, a propósito de Talisca. Por outras palavras, chamou mentiroso ao ‘Zé’ e este respondeu.

«Limito-me a ler a Gramática portuguesa para um dia ela não me acusar de andar aos pontapés com ela.»

Jorge Jesus gosta do confronto e assume-o. Com Vitória, com Mourinho, com Machado, com Sherwood. Não raras vezes, tem um objetivo definido.

Certo dia, a propósito de Julen Lopetegui, até explicou a sua posição. No fundo, queria do treinador do FC Porto o mesmo que pretende agora do treinador do Benfica.

«Tem de se definir. Quando começa como aquele é não é…não gosto. Os homens da política ensinaram-nos a estar sempre em cima do muro, o politicamente correto, mas isso não entra no meu vocabulário, nem como cidadão, nem como treinador. E não gosto de pessoas que sejam politicamente corretas. É ou não é, ponto final! Gostam gostam, não gostam não gostam!»


Lopetegui, pois.

Meses após essa entrevista ao Record, Jesus tiraria partido de outro ‘mind game’ do seu Código d’Amadora – escrevo isto com o máximo respeito pela zona, que em muito orgulha o treinador.



De tanto se ‘enganar’ no nome do treinador do FC Porto, levou este a perder a cabeça no final do clássico do Estádio da Luz e a pedir satisfações em pleno relvado. Logo ali, no dia em que o dragão dizia adeus ao título nacional.

Jorge Jesus sorriu e deu a machadada final:

«Só me engano quando quero».

Acredito que sim, que não foi por acaso. Que existem pontapés plenos de intencionalidade. Só Lopetegui poderá explicar o quanto isso mexeu consigo. Mas aquela imagem no relvado da Luz ficou para a história da Liga 2014/15.

Por isso mesmo, acho curioso que Jesus tenha defendido Lopetegui antes e depois do clássico de Alvalade.

Interpretando o Código d’Amadora, sou levado a pensar que o treinador do Sporting tinha duas intenções: primeiro, não desvalorizar a sua vitória; segundo – e mais importante – iniciar nova frente de batalha com o outro candidato ao título, aquele que o deixou sair. Quis matar dois coelhos com uma cajadada. Primeiro no relvado, depois no Auditório de Alvalade.

Caro Jorge Jesus, perdoa-me. Antes de mais, perdoa-me por te tratar por tu, mas dispensei o politicamente correto e acho que preferes assim. Depois, perdoa-me se erro ao não encontrar em ti palavras desinteressadas. Parece-me apenas esperteza. É por isso que não te calas.

Enquanto venceres com todo o mérito, como tens feito, temos de te tirar o chapéu. Mas não passes os limites. 

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)