PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

TODOS OS ARTIGOS DO MESMO AUTOR

SLOW MOTION:

«ESTRELLAS DE LA LÍNEA» - de Chema Rodríguez
Da vida de prostituição aos campos de futebol. Esta é a história verídica de Valeria, Vilma, Mercy e demais companheiras.

Fartas do acosso da polícia, dos assassinatos impunes e da vida de perigo constante na capital da Guatemala, as mulheres decidem chamar a atenção da opinião pública.

Como? Deixando a mais velha profissão do mundo e calçando as chuteiras. No primeiro torneio a organização descobriu a origem de todas elas – as calles imundas de La Línea – e foram expulsas.

A decisão criou uma onda de indignação por todo o país e enobreceu os propósitos das senhoras. Este documentário acompanha a sua epopeia, por vezes com sorrisos – os treinos são hilariantes, principalmente as posições escolhidas para fazer alongamentos – outras num tom de compreensível dramatismo.

O filme tem quase dez anos, mas só agora tive oportunidade de vê-lo. Uma película diferente, onde a prostituição dá o braço ao futebol e muda dezenas de vidas para melhor.



PS: «Gone Girl» - de David Fincher.
Em Seven, a atmosfera misógina, negra e tensa, arrastava-se até ao clímax desesperado. A inteligência do enigma, a perfeição do puzzle e a consistência das personagens dos detetives Mills (Brad Pitt) e Somerset (Morgan Freeman) colocaram David Fincher na minha lista de grandes realizadores.

Fight Club elevou-o ao patamar de génio. Fincher tornou-se no meu mestre, lado a lado com Scorsese e Coppola. Daí as minhas expetativas elevadíssimas para este Gone Girl, o regresso ao grande ecrã após o excelente Millenium 1, de 2011.

O melhor elogio que posso fazer é este: identifiquei rapidamente o estilo de Fincher nas primeiras cenas. A forma como a câmara se move, a batida compassada e persistente na banda sonora de Trent Reznor, a facilidade com que uma história normal se torna subitamente… impenetrável.

Rosamund Pike tem o grande papel da carreira e até Ben Affleck é convincente na pele do marido apático e indolente.




SOUNDCHECK:

«TOCO Y ME VOY» - de Bersuit Vergarabat.
A Argentina grita futebol. Paixão, amor, obsessão, uma mistura tóxica, nem sempre inteligível e raras vezes racional. Esta paleta de emoções, facilmente identificáveis como antagónicas, provoca um chafariz criativo único. Talvez só no Brasil seja tão complexo como irresistível.

É desta Argentina que sai esta composição encantadora. Sobre futebol, claro. A banda chama-se Bersuit Vergarabat e mistura a cumbia, o tango e o ska com rock. Uma música doce e furiosa, a imagem perfeita da relação entre argentinos e o desporto que tanto amam.

«Te la toco de primera
vos si querés la agarrás
cada jugada que sueño se hace realidad
o pareciera... algo casual.

Aunque pongas la barrera
yo te la mando a guardar
toda la vida es un baile y te pueden bailar
aunque no quieras, lo verás
en una cancha o en un bar...

Dando la vuelta manija me doy
subiendo al latido de esta vibración,
caño, taquito, chilena y tablón
el fuego sagrado de mi corazón ...

Toco y me voy
la camiseta es como un dios
toco y me voy
no importa cuál sea el color...»




PS: «This Is All Yours» - dos Alt-J.
Percorrer o labirinto de som dos rapazes de Leeds é tão desafiador como gratificante. Não encontro melhor imagem. É como se alguém me largasse num sítio desconhecido (não confundir com desolador) e me obrigasse a recolher provas até codificar o caminho para casa.

Em 2012, o primeiro álbum dos Alt-J foi o que mais tocou cá em casa. O melhor que ouvi nesse ano. Agora regressam e transportam – reduzidos a trio, após o abandono do baixista Gwil Sansbury – o som inclassificável, embora facilmente identificável, do primeiro trabalho de estúdio.

Os putos podem ter cara de xadrezistas nerds, mas sabem muito disto. E estão mais arrojados e confiantes. Colam um sample de Miley Cyrus a uma batida eletro-rock, sopram uma flauta oriental e cobrem-na de coros celestiais.

Não é um disco convencional. É um disco intrincado, enredado em misteriosos nós. É um grande disco.




VIRAR A PÁGINA:


«SOCCERNOMICS» - de Simon Kuper e Stefan Szymanski
Reparem bem no subtítulo deste livro, publicado em 2009: «Por que perde a Inglaterra? Por que ganham Alemanha e Brasil? Por que EUA, Japão, Austrália, Turquia – e até o Iraque – estão destinados a ser os reis do desporto mais famoso do mundo?»

Simon Kuper, autor do soberbo Football Against the Enemy, pretende olhar para «os clubes», «os adeptos» e «os países», apresentando conclusões e respostas curiosas para algumas das questões que andam na boca dos consumidores de futebol.

Não é um livro tão fluído como o antecessor supracitado. Alguns capítulos são, aliás, maçadores, mas outros compensam sobremaneira essas partes menos inspiradas.

O mais impressionante em toda a obra é a quantidade espantosa de estatísticas, dados, gráficos, tudo explicado até ao mais ínfimo pormenor, ou não fosse a autoria deste livro partilhada por um jornalista desportivo e um economista (Szymanski).
 
«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.