«A questão de jogarmos com um duplo pivot pode ter muitas leituras. Há momentos do jogo em que há um homem ao lado do Fernando, mas noutros momentos esse homem não existe. É uma discussão ampla, mas o importante é que os jogadores aceitaram e perceberam a mensagem que lhes passámos»

Paulo Fonseca insistiu no erro até ao fim. Perante a evidente crise de resultados no FC Porto, torna-se fácil atirar com a conclusão para cima da mesa. Porém, neste ponto a discussão vai mais longe: a falha foi perceptível desde a primeira hora. Falou-se bastante sobre o assunto. E nada mudou.

O André tem 9 anos. É um amigo especial, algo como um afilhado – um filho até – para mim. Começou este ano a jogar futebol e tem uma aceleração impressionante. Tem ainda um defeito terrível: quando está em missão defensiva, na sua área, e a bola vem pelo ar, costuma virar-se de costas.

Isso aconteceu pela primeira vez na reta final de um encontro acessível. A sua equipa já goleava por essa altura. O André, menos experiente que os restantes jogadores, teve receio de cabecear a bola e rodou sobre si mesmo, entregando o resto ao acaso.

A bola desviou nas suas costas mas o árbitro, face ao movimento, apontou para a marca de grande penalidade. Golo do adversário.

Por acaso, estávamos a gravar o jogo e confirmámos que o esférico não bateu em zonas proibidas. Neste ponto, também por acaso.

Quis chamar a atenção do André mas ele alegou a sua inocência – com razão – e a goleada da equipa minimizou o efeito daquele gesto.

Na jornada seguinte, um duelo intenso e incerteza no marcador até final. A jogar fora de casa, a equipa tenta conservar a vantagem no resultado. De repente, mais uma bola a surgir pelo ar.

O André fez o mesmo. A bola vinha para a sua cabeça. Virou-se. Desta vez, bateu mesmo no braço. Penálti e o empate para o adversário.

Falei três vezes com ele sobre o assunto, após o jogo. O miúdo queixou-se da bola dura – é verdade –, do árbitro que favoreceu a outra equipa – também verdade -, de oportunidades falhadas pelos seus companheiros – tudo verdade.

Por fim, acabou por perceber a asneira que tinha feito e assumiu-a como tal. A culpa não era dos outros, do mundo, do infinito ou da ordem suprema. Naquele instante, a culpa foi sua (ou minha, mas lá chegarei). Dias mais tarde, pediu desculpa ao treinador e prometeu que não voltaria a fazer o mesmo. Até agora, mantém a promessa.

Para mim a questão era importante: o André tinha de perceber o erro - ou voltaria a fazê-lo – e ter a coragem de o assumir. Para quem tem 9 anos, é preciso ainda mais coragem.

Em jeito de conclusão: percebi que aquele segundo erro podia ter sido evitado se eu tivesse agido à medida da primeira vez. No fundo, a culpa era minha, porque o André tem 9 anos e começou agora. Não sabia que não devia virar as costas à bola.

E o que tem isto a ver com Paulo Fonseca? Nada, porque seria injusto comparar o ex-treinador do FC Porto a um miúdo.

O que fica é a mensagem: quem são os verdadeiros culpados pela persistência no erro?

Aquele duplo-pivot que fazia parte da identidade de Paulo Fonseca nunca encaixou no FC Porto. Nunca. Isso foi escrito uma, duas, cinco vezes. O treinador foi confrontado com o assunto. Os adeptos perceberam. Os dirigentes, acredito, também.

No limite, Paulo Fonseca é culpado porque insistiu num erro. Nem todo o mal passou por aí – longe disso -, mas esse é o tema desde a pré-época e nada mudou.

O técnico manteve-se fiel aos seus princípios, ao conceito de jogo que idealizou. Recuperou a velha dúvida: são os jogadores que se adaptam ao sistema ou o sistema aos jogadores?

«É uma discussão ampla, mas o importante é que os jogadores aceitaram e perceberam a mensagem que lhes passámos», disse Paulo Fonseca, ainda na pré-época.

Não me parece. A equipa apresentou poucas ou nenhumas melhorias nesse sistema. Para além disso, ou mais grave ainda, tornou-se claro que alguns jogadores não perceberam ou não aceitaram o que lhes foi imposto.

É preciso ter enorme crédito para impor a mudança. Vítor Pereira chegou a admitir que sentiu isso junto do grupo, nos primeiros meses. Paulo Fonseca arriscou, nunca adaptou as suas ideias a um conceito que está implementado no FC Porto e saiu a perder.

Essa foi a sua culpa. Depois, é importante perceber quem consentiu a persistência no erro. Como eu fiz da primeira vez, com o André. Deixei o tempo correr porque o dano tinha sido ligeiro. Nenhum, aliás. Foi como aquele período em que o FC Porto ainda ganhava, mesmo jogando mal. No fundo, não era difícil perceber o que aí vinha. 

PS: Naturalmente, este não é o único problema do atual FC Porto. Porém, terá sido o primeiro erro de Paulo Fonseca e aquele que lhe pode ser apontado de forma clara e inequívoca. O resto deve ser partilhado por várias partes da estrutura.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)