«O futebol também muda, as ideias mudam, e tu ou mudas ou deixas-te ir. Eu tive de mudar.»

Ricardo Quaresma a reconhecer o que estava à vista de todos. Uma mudança radical de comportamentos, com e sobretudo sem bola.

Aos 31 anos, percebeu que o jogo continua a fazer sentido sem ele e, dessa forma, tira maior proveito dos momentos em que é parte da solução, deixando de ser um problema.

Havia uma figura relativamente impopular nos doces anos da adolescência: o dono da bola. Era o miúdo da nossa rua que marcava o início e o fim de cada ‘pelada’.

A mãe chamava-o e ele levava a redonda debaixo do braço, recusando a ideia de um empréstimo. Afinal, tudo aquilo girava em seu redor e não admitia que se continuasse sem o perfume do seu futebol.

Os restantes encolhiam os ombros.

Até que, certo dia, decidiram continuar com a bola que por lá andava, num canto. Sem gomos, com as costuras rebentadas e a câmara de ar a anunciar uma explosão a breve prazo. Um jogo diferente, com menor qualidade, mas ainda assim um jogo.

Depois do lanche, o rapaz da bola de marca regressou ao local e percebeu que havia vida para além da sua. Por mais importante que fosse, não era essencial. Recebeu um banho de humildade e juntou-se ao grupo. Nunca mais levou a sua bola para casa.

Ricardo Quaresma não é o miúdo desta história mas admitirá as semelhanças.

Durante anos e anos, acreditou que a sua magia era fundamental para as equipas que representava. Apresentava o caráter forte e irreverente como um complemento dessa qualidade inegável.

’My way or no way!’

Vemos agora um Quaresma diferente, um jogador completo e com sentido coletivo. Que compreendeu as suas lacunas e, escondendo-as, potenciou as valências. É necessário salientar nesta altura a importância de Lopetegui no processo.



Após o primeiro bis na Liga dos Campeões, Ricardo Quaresma riu em público como raramente se tinha visto. Brincou com os jornalistas, fez uma piada sobre Manuel Neuer e confirmou alegremente a boa nova: vai ser pai mais uma vez.

O diálogo fica para a história, como a sua exibição:

P: Está diferente como diz Lopetegui?
R: «Acho que toda a gente já reparou nisso. Não sou de falar muito de mim mas fico feliz pelos elogios do meu treinador. O futebol também muda, as ideias mudam, e tu ou mudas ou deixas-te ir. Eu tive de mudar.»

P: O festejo no 1-0 quer dizer que vai ser pai?
R: «Sim, vou ter mais um filho e festejei com alegria.»

P: É para repetir?
R: «O quê, o golo ou o filho? Vamos ver, vamos ver.»

P: Os golos a Neuer foram uma vingança pelo jogo de 2008?
R: «Nada disso. No penálti, só pensei no golo. Quando olhei, vi mais um poste à frente, porque ele é enorme e cheguei a pensar duas vezes! Mas acho que fui frio a marcar o penálti.»


Quaresma fez mais. Pouco depois, roubou a bola a Dante e rematou de trivela à saída de Manuel Neuer, sem esperar pela aproximação do guarda-redes alemão.

Naquele momento provou enfim que nunca é tarde para mudar. Por vezes aparecem segundas oportunidades para agarrar.

Em 2008, Ricardo Quaresma hesitou e adiou a decisão para o último momento. Neuer levou a melhor e o Schalke04 afastou o FC Porto.



Reencontrou o guarda-redes sete anos mais tarde e seguiu por uma via diferente. Quem bate novamente no muro demonstra que não aprendeu a lição. Quaresma demonstrou o contrário.

O resultado está à vista: Ricardo Quaresma atravessa uma das melhores fases da sua carreira. Como jogador de equipa.



PS: o desempenho fantástico do FC Porto merece ficar na história do clube e do futebol português. O Bayern Munique caiu no nosso país pela primeira vez. Importa, naturalmente, discutir as possibilidades azuis e brancas na Alemanha mas os adeptos merecem saborear por mais umas horas a vitória inesquecível. A noite de sonho de Lopetegui, Jackson, Quaresma e todos os outros. O futuro segue dentro de momentos.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)