«O Meu Bairro em Botafogo» é o espaço de opinião do enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos de 2016. Pode seguir o jornalista Pedro Jorge da Cunha no Twitter.

Nem a fervilhante criatividade de Jorge Amado inventaria personagens assim. Complexas e humanas. Os Capitães de Areia dos Jogos Olímpicos.

A aventura começa como todas as aventuras começam. Assim:

Era Uma Vez.

Era Uma Vez um jornalista. Abraçado à esposa, aos pais e aos sogros, de coração pesado. «São só 21 dias, volto já». Beijos e lágrimas de quem ama.

Olha em frente e tem ao lado Rafael Nadal. No mesmo avião para o Rio. Bom sinal, por certo. Para Nadal, claro.

O Rio continua lindo, maravilhoso e confuso. Na Zona Norte há um complexo de favelas em risco constante, na Zona Sul as praias e os restaurantes até os ciclistas olímpicos convidam a entrar.

Do ‘dojang’ de Rui Bragança é possível sair vivo e o repórter até conhece um ex-pupilo de José Mourinho. É nessa altura que aparece o goleador que trocou os golos por um motel.

Era Uma Vez. E ainda faltava tanto.

Na Cerimónia de Abertura uma enigmática velhinha de 85 anos senta-se ao lado dele. Conquista-o pelo olhar. E há um dragãozinho em destaque. Também conquista alguém: Venus Williams.

De conquista em conquista até à maior de todas. A sobrevivência e a liberdade da síria Yusra Mardini, abençoada pelo padre Leandro Lenin numa Aldeia Olímpica multinacional e plena de segredos.

Os Jogos fazem-se em terra, ar (sim, salto em altura e com vara) e mar. E na Baía de Guanabara, claro. É aí que um homem apaixonado limpa as águas, a pensar na namorada.

De olhar atento, o jornalista a tudo assiste. Ao longe, sim. Mas nem sempre. Há um dia em que entra em cena no court de ténis. João Sousa e Gastão gostam e ganham.

Era Uma Vez. E o rapaz vê História.

A última medalha de Michael Phels está ali a um palmo. O improvável recorde do mundo dos 400 metros passa a correr na pista 8 do Engenhão. O relâmpago Usain Bolt cai três vezes no mesmo lugar: 100, 200, 4x100 metros, Bolt. Para o lendário Carl Lewis ver e aplaudir.

a odisseia de Juan Martin Del Potro, a NBA trasladada para a Arena Carioca 3 e um passeio pela própria História de mão dada com o inefável professor Milton Teixeira. «Origem do torcedor? Roupa interior masculina».

Era Uma Vez. O Bronze de Telma Monteiro, claro.

Portugueses, muitos portugueses, resultados interessantes e o raio do pódio sempre a fugir. E por isso o jornalista foge também.

Foge para Pau Grande em peregrinação a Mané Garrincha; e foge para Barra da Tijuca, onde se senta na sala de estar de Bebeto; volta a fugir ao encontro do homem mais rápido de Tuvalu e da família do malogrado Jaburú, em busca de respostas sobre a morte do avançado do FC Porto.

De Nelson Rodrigues ninguém consegue fugir. A obra do Anjo Pornográfico é eterna e o jornalista lá vai, à intimidade dos seus descendentes.

Era Uma Vez e o fim está próximo.

O coração cheio de saudade de casa, da vida com Catarina, amolece e é impelido para o Bem. E o Bem é estampado no olhar de Ewerton, o faxineiro, ao olhar a primeira vez os Jogos Olímpicos; e o Bem aparece à noite, atrás de uma esquina, num olhar com fome.

O Brasil é música, é cultura, é a herança de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, é a Garota de Ipanema, viva e feliz.

E é o sobrenatural. No golfe há jacarés a baterem palmas, no ciclismo há um estónio a recusar cortar a meta e na Maratona há um norte americano a fazer flexões depois de correr 42 quilómetros e vomitar sete vezes.

Era Uma Vez um jornalista. Cansado e de volta ao seu aconchego.

Leia os outros «O Meu Bairro em Botafogo»:

. 85 anos, a velhinha campeã olímpica

. O homem que trocou os golos pelo motel

. A Utopia da Impotência: dia de loucos no Rio

. Roque Santeiro: Rio-Caxias-Saracuruna-Pau Grande

. «É sentido proibido, mas não há problema. Vai devagarinho»

. E o zagueiro virou as costas para ver o golo do Zico

 Bolt de manhã, Nadal à tarde, Phelps e miséria à noite