Cinco notas em tempos de mudança no futebol português:
 

1. Jorge Jesus é um grande treinador. Mas talvez não seja o que o Sporting precise.
 
Contratar Jorge Jesus nunca será uma péssima escolha. O agora técnico do Sporting fez um grande trabalho no Benfica, somou conquistas que entrarão para a história dos treinadores que passaram na Luz.

E, sim, não deixa de ter sido uma jogada de mestre: o Sporting «roubou» o treinador que acabara de ser bicampeão no eterno rival, o mesmo que terá sido «secretamente» desejado pelo FC Porto, enquanto prosseguia no Benfica.

Do ponto de vista da «guerra» dos três grandes, foi um golpe impactante. Coisa em grande.

A questão é: será disto que o Sporting, nesta fase, precisa?

Posso enganar-me completamente, mas acho que não. Marco Silva, que tinha mais três anos de contrato, teria muito mais perfil para dar seguimento ao bom trabalho que estava a fazer.

O problema, é claro, foi o resto: a incompatibilidade com Bruno de Carvalho.

Já agora: se Bruno de Carvalho continuar a ser... Bruno de Carvalho, como conjugar dois egos daquele tamanho em Alvalade? Pode correr bem, sim. Mas a margem para correr mal é, de facto, muito grande. 

 
2. O que Bruno de Carvalho fez a Marco Silva não se faz. Ponto.
 
O futebol é um mundo que puxa pelas emoções mais primárias e pela irracionalidade clubística. Certo.
 
Mas há limites. Devia haver, pelo menos.
 
Marco Silva deu ao Sporting a primeira grande conquista nacional em sete anos. Ficou em terceiro no campeonato, o que para o Sporting nunca é um grande feito, mas a escassa diferença pontual do FC Porto. A não muito grande distância do campeão Benfica e com enorme vantagem sobre o Sp. Braga.
 
Numa frase, e para simplificar: Marco Silva fez, num ano, um grande trabalho no Sporting. Mesmo com a crise do natal. Mesmo com meses de ambiente de «paz podre» entre presidente e treinador.
 
A forma como os adeptos do Sporting defenderam Marco Silva nessa crise do natal e como o vitoriaram na conquista da Taça não deixa grandes dúvidas: ele era um treinador amado pelos sportinguistas... exceto pelo presidente do clube e de quem o rodeia.
 
Assinar quatro anos com um treinador e despedi-lo ao fim de um ano depois dos resultados apresentados é do domínio do surrealismo.
 
Fazê-lo nos moldes em que Bruno de Carvalho está a fazer já entra noutro tipo de adjetivação. Aquelas 400 páginas da «nota de culpa» a Marco Silva representam um episódio lamentável, que deveria fazer refletir quem pretende tornar o futebol um meio mais respirável.
 

3. Rui Vitória, boa escolha. E que herança.
 
Luís Filipe Vieira mostrou serenidade ao não se deixar levar pela «onda» emocional dos adeptos do Benfica de querer contratar Marco Silva como «vingança» pela transferência-Jesus.
 
O acordo que já existiria há algum tempo entre Vieira e Rui Vitória (no caso de Jesus não continuar, o então técnico do V. Guimarães já estaria «de prevenção») foi respeitado. E isso é mais um sinal de maturidade e de visão estratégica do presidente do Benfica.
 
Rui Vitória é uma boa escolha. Pelo perfil. Pelo percurso ascendente (humilde e valorizado, em simultâneo). Pela identificação com o Benfica (embora isso do treinador ter como clube do coração a equipa que treina seja mais do domínio da retórica para os adeptos do que, propriamente, uma questão relevante).
 
Fez um trabalho extraordinário no V. Guimarães (quatro anos a fazer «omeletes sem ovos», com bons resultados no campeonato e uma conquista da Taça de Portugal... ao Benfica de Jorge Jesus, em 2013). Tem uma liderança serena, mas firme. Dá provas de ser um treinador competente e estudioso.
 
O que falta saber?
 
Falta saber se a competência que Rui Vitória mostrou, acima de qualquer suspeita, em Vila Franca, em Fátima, em Paços de Ferreira e em Guimarães, chega para o nível de exigência do Benfica.
 
Como bem disse Mano Menezes, ex-selecionador do Brasil, no programa «Grande Área» da RTP Informação, «o grande problema para um treinador de um clube como o Benfica é que todos vão exigir ao Rui que comece no ponto em que o Jorge Jesus estava quando conquistou o bicampeonato. Ora, o que se deveria fazer era colocar o Rui no ponto em que o Jorge Jesus começou no Benfica, há seis anos».
 
Pois, esse é mesmo um grande problema. Se os resultados não aparecerem, os adeptos vão mesmo valorizar o facto de «Rui Vitória gostar de lançar os miúdos»?
 

4. Os sub-20 portugueses na Nova Zelândia: tanto talento
 
A seleção de sub-20 de Portugal não engana: ali há mesmo muito talento. Gelson Martins, avançado do Sporting: rápido, boa técnica, presença impressionante em campo; Mauro Riquicho, lateral-direito do Sporting, maturidade e segurança; Rony Lopes, City (cedido ao Lille em 14/15), tudo para ser uma das referências da seleção portuguesa nos próximos anos, misto de técnica, liderança e leitura de jogo.
 
E outros mais: Tomás Podstaswski, André Silva (será desta que teremos um ponta de lança de referência na seleção?), Raphael Guzzo (aquele «Panenka» mal calculado não estraga o essencial e o essencial revela mesmo muito qualidade), ou Gonçalo Guedes (um dos mais promissores talentos das camadas jovens do Benfica, a quem o Mundial não correu da melhor forma, mas que será dos elementos desta geração com maior margem de progressão).
 
Os primeiros jogos, com vitórias claras, bons golos e boas exibições (3-0 Senegal, 4-0 ao Qatar, 3-1 à Colômbia, 2-1 à Nova Zelândia) confirmaram as melhores expetativas.
 
E depois apareceu o «tal» jogo com o Brasil, nos «quartos», assim numa espécie de final antecipada, repetição da decisão do Colômbia 2011 e do mundial realizado no nosso país em 1991.
 
Não é favor, é leitura do que se passou em campo: no fim dos 120 minutos disputados, o resultado justo seria uns 3-0, tamanha foi a superioridade de Portugal sobre o Brasil.
 
A equipa de Hélio Sousa jogou muito mais que a rival canarinha. Criou mais, construiu melhor, teve oportunidades flagrantes (André Silva aos 14 e aquela do Rony Lopes ao poste, então...)
 
É certo que terá havido uma grande penalidade por assinalar por assinalar a favor do Brasil (Rafa fez falta dentro da área portuguesa), mas já numa altura em que a equipa portuguesa poderia ter dois ou três golos de avanço.
 
Uma decisão por penáltis tem sempre um elevado grau de injustiça. Foi pena que a primeira falha do Brasil não tenha sido aproveitada. Terá faltado um pouco mais de sangue frio a Guzzo para evitar aquela tentativa «à Panenka», mas a verdade é que Portugal fez mais do que suficiente para ter resolvido a coisa antes dos penáltis.
 
Quem vencesse essa partida teria grandes hipóteses de regressar da Nova Zelândia com o título mundial.
 
Nestas idades, os títulos são importantes, mas não são tudo. O futuro desta geração (vice-campeã da europa de sub-19 em 2014 e a mostrar tão bom futebol no Mundial 2015) só pode ser brilhante. Só pode.

Se a isso juntarmos a muita qualidade existente nos sub-21, que estão quase a começar a aventura na Rep. Checa depois de caminhada 100% vitoriosa rumo à fase final do europeu, então temos que concluir que não falta matéria prima para que, daqui a alguns anos, a Seleção AA tenha mais uma grande equipa. Veremos se assim será.
 

5. Não sei se viram o Chile-México, para a Copa América.
 
Se ainda não viram, vejam. Vale mesmo a pena. Um dos melhores espetáculos a que assisti nos últimos anos. Não pelo rigor tático, é certo.
  
Mas por tudo o resto: pelos golos fantásticos; pelo ritmo alucinante; pelo registo de «futebol de rua em cenário competitivo»; pelo talento imenso de craques como Valdívia, Vargas, Vidal ou Vuoso.
 
Vejam, a sério. E a exibição de Neymar no Brasil-Perú, é claro, também.
 
«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?