«Sou um pouco radical, mas por mim não assinaria contratos por mais de seis meses. Seria mais económico para os clubes. E se um treinador não está satisfeito, também pode sair. Aqui no Barcelona assinei por mais tempo, mas acredito em rendimentos curtos.»

Luis Enrique decidiu lançar esta ideia na antevisão do Barcelona-Arsenal, a propósito da longevidade de Arsène Wenger no comando técnico da formação londrina.

As declarações não ecoaram com grande intensidade nos jornais portugueses, nem seria natural que tal acontecesse, mas provocaram-me uma irritação de proporções inexplicáveis. No fundo, por ver aquele que foi considerado o melhor treinador do Mundo em 2015 a prestar um mau serviço à sua classe.

Até que ponto Luis Enrique acredita sinceramente em projetos de apenas seis meses? 

Não está em causa a qualidade do antigo jogador como treinador. Longe disso. Se nem os génios escapam a momentos de loucura, é aceitável que Luis Enrique tenha direito à sua quota-parte.

Creio que a sua experiência – relativamente feliz – esteja na base de um óbvio desfasamento da realidade.

Luis Enrique iniciou a sua carreira de treinador em junho de 2008, no Barcelona B. Em três épocas, garantiu uma subida de divisão e a máxima pontuação da filial no segundo escalão.

O registo abriu-lhe as portas da AS Roma e da Serie A de Itália, mas a experiência durou apenas um ano. Terminou na 7ª posição, fora da Europa, e quis sair. Mais tarde orientou o Celta de Vigo, acabou no 9º lugar e pediu para sair. Tinha o Barcelona à espera.

Em seis anos como treinador Luis Enrique chegou ao topo, onde está desde junho de 2014. Tem feito um trabalho de grande qualidade, conquistando tudo o que há para conquistar, numa estrutura montada para o sucesso, e no seu caso pouco ou nada mudaria com os tais contratos de seis meses. Mas o pior que um indivíduo pode fazer é interpretar a sua experiência como um retrato fiel da realidade.

Seria interessante ver por exemplo Luis Enrique num clube da segunda metade da tabela em Portugal a falar em contratos de meia época.

Inglaterra tem um grande respeito pelos treinadores mas Espanha não lhe fica muito atrás. Sobretudo em comparação com a realidade no nosso país.

Fiz um levantamento e conclui que 10 dos 20 atuais treinadores na Liga espanhola estão nos seus clubes há mais de uma época. Em Portugal isso acontece apenas com 4 dos 18 atuais treinadores da Liga.

Outro número interessante: a média de permanência de um técnico nos clubes de La Liga situa-se nos 17 meses, contra do 10 meses em Portugal. Ou seja, menos de um ano.

Do outro lado da fronteira há maior identificação de treinadores – normalmente antigos jogadores do clube – com determinados emblemas e maior respeito por parte destes na relação entre as partes.

Porém nem isso explica o facto de Luis Enrique acreditar que é possível tirar o máximo rendimento de uma equipa em seis meses. A partir de que momento? Do início da época? E se sair a meio, quem chegar entretanto consegue fazer o mesmo com o plantel delineado por outro?

Manuel Machado pode ser considerado o Arsène Wenger português mas está a apenas 42 meses no Nacional da Madeira. Com contratos de meia época, poderia não resistir à primeira volta modesta, retificada com mérito na segunda metade. Pedro Martins (21 meses, Rio Ave), Miguel Leal (21 meses, Moreirense) e Fabiano Soares (12 meses, Estoril), são as outras exceções à regra portuguesa.

Em Espanha, por outro lado, vemos Diego Simeone (51 meses, At. Madrid), Paco Jémez (45 meses, Rayo Vallecano), Marcelino Toral (38 meses, Villarreal), Unai Emery (38 meses, Sevilha) ou Ernesto Valverde (33 meses, At. Bilbao). Luis Enrique surge no patamar seguinte, a concluir a segunda época no Barcelona.

Ou seja, é mais fácil acreditar no poder de um treinador em Espanha. Por cá, estes têm pouquíssimo capital de confiança e a ideia de Luis Enrique serviria apenas para tornar ainda mais comum o chicote dos presidentes. Este, porém, já estala com demasiada frequência na nossa praça.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)