O campo do Bougadense espera-nos. Uma fachada verde, corroída pelo tempo, simples como as coisas genuínas devem ser. Lá dentro, no piso sintético, já aquecem as equipas do Marechal Gomes da Costa e do Ramaldense, os dois amores da juventude de André Villas-Boas.

O elogio público do treinador do Tottenham, durante a gala do centenário da AF Porto, trouxe-os para a ribalta. A gentileza do calendário da II Divisão Distrital, colocando-as frente a frente nesta jornada, fez o resto. O Maisfutebol, observador, aproveitou a coincidência.

Quase duas décadas depois, o que é feito destes emblemas? Villas-Boas foi juvenil e júnior no Ramaldense, e sénior no MGC. Da passagem pelos pelados rudes, autênticas arenas para gladiadores, sobram algumas fotografias e o testemunho de antigos colegas.

Alguns deles ainda no ativo. «O André era um trinco agressivo e inteligente», recorda Francisco Antunes, capitão do MGC, à nossa reportagem. «Lembro-me de um rapaz introvertido, apaixonado por futebol. Foi desaparecendo a partir do momento em que o F.C. Porto surgiu na sua vida».

Afonso Figueiredo, 41 anos, foi companheiro de equipa e treinador ocasional de Villas-Boas em torneios de futebol de sete. «Aprendeu comigo alguns dos truques que aplica hoje em dia», brinca este defesa central.

Na bancada, lesionado, Pedro Barros também fala sobre o Cenourinha. «Notava-se nele uma inteligência e um interesse pelo jogo pouco normais. Talvez por aí se explique muito do sucesso que ele tem tido na carreira. Gostava de voltar a vê-lo no F.C. Porto».

Villas-Boas sim, mas também Tiago Moutinho e Luís Diogo

No campo as coisas correm bem aos visitados. Ao intervalo o MGC vence por 2-0 e o Ramaldense já está reduzido a dez unidades. As bancadas, com cerca de meia centena de pessoas, fazem a festa. Nomeadamente a claque Ultras da Costa, liderada por Rodrigo Abreu.

«Não falho um jogo destes colegas. Na primeira volta levámos 6-1 do Ramaldense, mas hoje isto vai cair para o nosso lado». Pega no megafone e grita a plenos pulmões, com a paixão que só quem sente consegue perceber.

Cervejas em copos de plástico saem fresquinhas da sede e alimentam a sede dos presentes. O dia está quente, anormalmente quente, e no relvado os jogadores começam a sofrer. Chegam mais golos na segunda parte, até ao 3-2 final. Ganha o MGC.

«O nosso clube tem projetado alguns nomes», diz-nos Francisco Antunes. «Além do Villas-Boas tivemos aqui o Tiago Moutinho [adjunto de Sá Pinto no Sporting e agora no Estrela Vermelha] e ainda hoje jogou o Luís Diogo».

O prof. Luís Diogo Campos faz parte da equipa técnica de Jaime Pacheco. Já esteve no Penafiel, no Gil Vicente, na U. Leiria, na Arábia Saudita e na China. No MGC veste a pele de ponta-de-lança.

Um derby portuense pejado de dificuldades

O derby portuense não traz mexidas relevantes à classificação. O MGC passa a ser 11º com 31 pontos, o Ramaldense soma 26 e é 15º de uma liga com 17 clubes. Ainda assim, o problema destas instituições não é desportivo, mas sim financeiro.

Os subsídios desapareceram, os patrocínios idem. Resta a boa vontade dos associados, algumas doações de amigos e a vontade férrea de dirigentes e atletas em manterem bem vivos dois símbolos do futebol na cidade do Porto.

A mensagem para André Villas-Boas podia passar, facilmente, por um pedido de ajuda monetária. Não, não é isso que ouvimos. «Gostávamos muito que o André nos viesse ver a jogar. Estou há 21 anos no clube e a minha despedida está para breve. Era um prazer tê-lo na bancada», sublinha Afonso Figueiredo.

Está lançado o repto. Dois dos amores da juventude de Villas-Boas estão à sua espera.