Fenway Park festejou o primeiro título de campeão dos Boston Red Sox ao fim de quase um século. Ao vencerem os St Louis Cardinals por 6-1 ao jogo seis da World Series, os Sox festejaram junto dos seus adeptos, no centenário estádio que lhe serve de casa, pela primeira vez em 95 anos. Da última vez que tinham vencido ali ainda lá jogava Babe Ruth. Se para muitos portugueses toda esta informação sobre beisebol (ou basebol? já lá vamos) soa a novidade, há por cá quem saiba bem do que estamos a falar. E tenha feito noitadas, por estes dias, a acompanhar a decisão do título da Major League Baseball (MLB).

Foi mais difícil este ano, porque o canal norte-americano que transmitia os jogos da World Series saiu da grelha do cabo em Portugal. «Foi uma tristeza, para a toda a comunidade», diz ao Maisfutebol Fernando Lucas, presidente do White Sharks Almada Beisebol Clube, que no próximo sábado joga com os Bravos da Feira a final da Taça de Portugal, e professor de educação física ligado à modalidade há quase 20 anos. Mas havia alternativas: comprando diretamente as transmissões, seguindo pela internet. «Alguns dos meus jogadores, dos seniores ou dos juniores mais velhos, que estão muito motivados, estão sempre em cima, sabem tudo», diz Fernando Lucas, acrescentando que ele próprio, igualmente professor de educação física na escola de Almada que serve de sede aos White Sharks, já vai «tendo que organizar o tempo de outra maneira», pelo que é mais difícil perder noites a ver beisebol.

Voltando a Boston. Este título dos Sox foi especial. Não tanto, claro, como o de há nove anos, quando eles quebraram um longo jejum de 86 anos sem ganhar o maior título do basebol norte-americano. A seca durou entre 1918 e 2004, tanto tempo que alimentou um mito. Chamaram-lhe a «maldição do Bambino». Sendo o Bambino Babe Ruth, a estrela que os donos dos Red Sox decidiram vender aos eternos rivais New York Yankees.

Com Ruth os Sox, nascidos em 1901 e uma das oito equipas fundadoras da American League, uma das duas conferências da Major League Baseball (MLB), tornaram-se uma potência do basebol. Depois de vencerem a primeira edição da World Series, que coloca frente a frente o vencedor da American League e o da National League, ganharam mais quatro títulos. Até que em 1920 o dono dos Red Sox decidiu vender Ruth, e logo aos New York Yankees. Não só marcou para sempre a rivalidade regional entre os dois clubes, como foi alimentando a lenda.

Sem Ruth, os Sox não voltavam a ganhar. Estiveram perto algumas vezes, mas falharam sempre. Até que, em 2004, exorcizaram todos os fantasmas. Foram à final da American League frente aos New York Yankees, perderam os três primeiros jogos e conseguiram dar a volta, vencendo os quatro seguintes. A maior reviravolta da história do basebol. Com esse título chegaram à World Series, precisamente frente aos St Louis Cardinals, e venceram mesmo, para festejar o seu primeiro título norte-americano em 86 anos.

Quebrado o enguiço em 2004, os Sox reaprenderam a vencer. A equipa que tinha sido comprada em 2002 pelo Fenway Sports Group, que também é aliás dono do Liverpool, em Inglaterra, ganhou de novo a World Series em 2007 e volta agora a festejar o seu terceiro título em menos de uma década.

A equipa das meias vermelhas e dos bonés com um B estilizado faz parte do imaginário do desporto mundial. E o seu estádio também. Fenway Park tem mais de 100 anos e é desde sempre a casa dos Red Sox. Tem lotações esgotadas em permanência e várias particularidades que o tornam único.

Como a cidade cresceu à sua volta, teve de sofrer várias adaptações. Explica Fernando Lucas: «É um dos estádio mais antigos em funcionamento, com uma arquitetura sui generis. Devido à localização e à antiguidade tem características únicas, como o ‘green monster’, uma zona que, por ser mais antiga, para ter as medidas regulamentares tem que subir em altura. É muito difícil fazer ali um ‘home run’.»

Uma conversa sobre beisebol em português tem necessariamente muitas expressões inglesas pelo meio. Se palavras como batedor ou lançador têm uma tradução clara, outras como catcher, short stop ou home run são de difícil conversão. Aliás, o debate começa na própria tradução para português de baseball. É comum ver escrito basebol, mas Fernando Lucas começa esta conversa por garantir que o termo correto, «segundo especialistas da Academia de Ciências de Lisboa, é beisebol, porque se aproxima mais da fonética da palavra». Mas a própria federação portuguesa da modalidade designa-se Federação Portuguesa de Basebol e Softbol. E o portal Ciberdúvidas admite as duas formas.

Não é só uma questão de grafia a distância entre o baseball norte-americano, um dos desportos mais populares nos Estados Unidos, e a modalidade por cá. Antes de mais há a barreira cultural e a dificuldade em aderir a um desporto que parece demasiado parado para os nossos padrões. Uma ideia que Fernando Lucas tenta desconstruir assim: «O jogo tem características que podem levar quem olha e não percebe a achá-lo parado. Quem aprecia aprecia o desempenho técnico e muito mais. As fases que as pessoas com cultura desportiva europeia acham paradas têm a ver com situações específicas, em que o lançador tem superioridade e consegue dominar o jogo. Depois, o jogo tem vários objetivos intermédios em que toda a equipa se empenha. Há conquistas sucessivas que vão alimentando o interesse. No beisebol o fator equipa é muito importante e o fator estratégia é determinante.»

A modalidade também passa por cá por problemas organizativos. Nesta altura a Federação perdeu o estatuto de utilidade pública – em junho deste ano a secretaria de Estado considerou que não apresentou todos os documentos necessários à renovação - pelo que as competições existentes, o campeonato nacional e a Taça de Portugal, nem podem ser oficialmente homologadas.

Não é de hoje que se joga e acompanha beisebol por cá. As primeiras competições, aliás, começaram em Portugal há quase 20 anos em Portugal. Mas continua com pouca expressão. A logística também não ajuda, há apenas um estádio dedicado à modalidade, em Abrantes. Resumindo, o beisebol em Portugal já teve melhores dias.

Fernando Lucas, que vive o beisebol por dentro há muito, resume assim a situação: «Nos últimos anos tem crescido apenas em termos de desporto escolar. Mas tem havido algumas desistências de equipas que não tem condições financeiras e de organização para se manter. Tem havido um decréscimo ao nível dos seniores, felizmente compensado por mais equipas de formação.»

Os White Sharks têm procurado compensar a falta de competitividade em Portugal investindo na participação em provas internacionais. «Somos campeões nacionais e apuramo-nos para Taça da Europa de clubes. Só para as qualificações, não há nível para mais. Sai-nos do corpo, do pelo e da algibeira, mas tem sido muito importante para os jogadores evoluírem.»

«Nesta altura, se nos juntássemos todos, éramos capazes de ter uns 100 praticantes seniores», estima ainda Fernando Lucas, admitindo que já viveu dias mais entusiastas sobre o futuro do beisebol em Portugal: «Está a passar um mau período. Há cinco ou seis anos estava mais otimista.»