Paul Watson, jornalista, e Matt Conrad, estudante de cinema, sonhavam ser treinadores de futebol, mas nenhum deles tinha a formação necessária para tal. O que não lhes faltava era espírito de aventura e uma mão cheia de atrevimento - porque já diz o ditado: quem não arrisca, não petisca. Paul e Matt arriscaram e petiscaram… talvez um pouco mais até do que estavam à espera.

Tudo começou em 2008 - após a Inglaterra ficar de fora do Europeu - numa conversa entre amigos, como as que já todos tivemos e que começam sempre com «até eu faria melhor do que este treinador». Os dois amigos decidiram descobrir qual a pior seleção do mundo (em termos de classificação) e ofereceram-se para a treinar.

Sem nenhuma vitória até então, o Pohnpei, seleção de uma ilha da Micronésia, era a equipa certa. Falar é fácil, mas pôr a ideia em prática até acabou por não ser tão difícil. Em 2009, o Maisfutebol falou com Paul e Matt que contaram como lá chegaram e como estavam a lutar contra obstáculos como o clima quente e húmido, uma população maioritariamente obesa e viciada numa droga natural, que é semente de noz de betel, e num local onde os campos de futebol eram invadidos por sapos.

Desde então, conseguiram alguns patrocínios e rapidamente a equipa já treinava todos os dias da semana e trabalhava no ginásio para manter a forma. Esforço e dedicação que lhes valeram o objetivo: a primeira vitória. Derrotou a seleção do Campeonato de Guam por 7-1, apenas um ano e meio depois de ter sido formada.

Rumo à capital mais fria do Mundo


Aquele foi só o primeiro capítulo e Maisfutebol falou novamente com estes nómadas do futebol que nos contaram as novas aventuras num novo e desafiante destino. Em 2010, após a digressão a Guam, entregaram o controlo da seleção ao capitão de equipa, a quem prepararam para ser o novo treinador. Não escondem que «não foi uma experiência fácil», mas Paul Walter garante: «Estou tão orgulhoso do que conseguimos fazer».

Fechada essa porta, foi altura do regresso a casa. «Foi difícil porque o que fizemos na Micronésia não conta para nada em Inglaterra. É muito difícil para os treinadores jovens e, a não ser que conheçam as pessoas certas, não conseguem arranjar trabalho». A vontade de voltar à ilha do Pacífico foi muita, mas Paul e Matt sabiam que «era crucial entregar o comando aos locais para que o desenvolvimento continuasse sem dependerem de ajuda externa».

Paul escreveu um livro sobre a experiência em Pohnpei, Matt fez um filme, «The Soccermen», mas o regresso aos relvados não tardou.



A história da aventura na Micronésia correu os media de todo o mundo e trouxe um novo convite: treinar uma equipa da Premier League na Mongólia. «Foi um choque», conta Paul. «Até pensei que era uma partida de algum amigo». Mas a proposta era bem real.

Este enorme território com uma baixa densidade populacional tem uma enorme paixão por futebol… mas estrangeiro. Os responsáveis pelo desporto no país querem inverter esta situação e desenvolver o futebol local. O campeonato oficial do país, «a Mongolian Football Federation League, tem apenas cinco equipas e poucos são os adeptos que acompanham os resultados ou sabem sequer o dia dos jogos», explica Watson. Surgiu então a Premier League, com 36 equipas e que se tornou mais popular no país.

«Foi muito difícil decidir aceitar», conta Paul Watson. «Não queria ficar novamente longe da minha namorada e da minha família, mas era uma grande oportunidade e o projeto motivava-me». Com um contrato de trabalho até julho de 2014, desta vez com um salário incluído, a dupla fez as malas e pôs-se a caminho de Ulan Bator, a capital mais fria do mundo.

Chegaram em meados de outubro e sentiram o progressivo arrefecimento até que, de repente, estavam 20 graus negativos, mas os termómetros continuam a baixar, o que obriga a que o trabalho até agora tenha sido feito todo em pavilhões. «Não é o sítio mais fácil para se estar e é exatamente o oposto da Micronésia. Se tivéssemos que treinar cá fora, teríamos morrido», diz Paul, que teme os esperados 40 graus negativos.



Mas antes de mais tiveram que construir uma equipa do zero. Não havia nome, jogadores… não havia nada, a não ser vontade e alguns patrocínios. Um desses apoios implicava a realização de um reality show que mostrasse a construção da equipa, o nascimento do Bayangol FC, que até esteve até para se chamar Gengis Khan. «Ajudou a mostrar que as decisões eram tomadas de forma transparente, o que não acontece com a maioria das equipas no país, mas foi uma experiência estranha. É um fator de distração para os jogadores e além disso ninguém compreende o que eu digo, por isso, tinha que ser dobrado ou legendado», relata o treinador.



A questão linguística tem sido um obstáculo também dentro da equipa. «É difícil passar a mensagem para os jogadores porque só um deles fala inglês. Tudo tem de ser traduzido e é preciso garantir que o tradutor perceba primeiro».

Mas nem tudo tem sido difícil e as captações trouxeram uma boa surpresa. «Os jogadores são melhores tecnicamente do que em Pohnpei porque jogam futebol desde pequenos. Além disso, têm um bom controlo de bola e isso também se deve ao facto de, devido ao frio, terem que jogar durante grande parte do ano em pavilhões, por isso acabam por praticar futsal. Agora temos é que ver como é que se portam quando há muito mais terreno para cobrir», diz o técnico. «São jovens, a maioria tem menos de 18 anos, e o mais velho 24. Têm pouca experiência, mas há um enorme potencial e se estes jogadores tiverem o treinador certo e encorajamento, pode tornar-se uma equipa fantástica», assegura.



À boleia todos os dias com 20 graus negativos

O objetivo é formar um clube semi-profissional, à semelhança dos europeus, permitindo aos jogadores continuarem a estudar ou a trabalhar. «Queremos que os jogadores locais que aparecem na televisão sejam o exemplo das crianças, em vez de elas pensarem que ser jogador de futebol é uma coisa inalcançável».

Mas havia questões logísticas a resolver primeiro. Paul conta que um dos jogadores tinha que pedir boleia todos os dias para fazer os 40 quilómetros para ir treinar. «Não é fácil estar a pedir boleia com 20 graus negativos», assegura o treinador. Por isso a equipa passou a organizar transportes para os atletas.

Outro dos problemas dos jogadores amadores são os «maus hábitos» que criaram. «Um dos jogadores treinava todos os dias sozinho às 6 da manhã antes de ir para a escola. O nosso grande desafio é impedir que treine demasiado e fique esgotado fisicamente para poder estar apto para as nossas sessões de trabalho».



Até julho é na Mongólia que Paul vai continuar a trabalhar. E depois? «Manchester United?», perguntamos, em tom de brincadeira. O treinador responde da mesma forma. «Sim, certamente que ponderaria uma oferta do Manchester United», mas mais a sério vai dizendo que o futebol em Inglaterra se tornou «uma coisa corporativista, feia. Um negócio que não representa as pessoas».

«Gostaria de ir para um sítio onde o futebol possa fazer a diferença na vida das pessoas, uma força positiva. Foi por este tipo de futebol que me apaixonei», garante.