Paulo Fonseca teve poucos dias de paz no Dragão. Contratado para substituir um mal amado Vítor Pereira, o ex-treinador do Paços de Ferreira entrou com o pé direito no FC Porto, conquistando a Supertaça e acumulando uma série de vitórias que lhe garantiram vantagem no campeonato para os principais rivais.

O discurso foi sempre otimista, de união, de conquista, numa tentativa de não cometer os mesmos erros de comunicação do seu antecessor. Fonseca começou por saborear a onda triunfal de um campeão e aos primeiros deslizes deu o peito às balas, assumindo sempre as falhas. O problema foi a sucessão de desaires, que o levaram a alterar a forma como encarou os problemas e como comunicou as falhas, que deixaram de ser exclusivamente suas e passaram a ser partilhadas com os jogadores.

Num momento de particular tensão no Dragão, fomos revisitar o discurso do treinador do FC Porto perante a adversidade. A cronologia abreviada é elucidativa.



Tudo começou no empate no
Estoril, com Fonseca a optar por criticar a arbitragem ou mais concretamente a alegada pressão feita por Jorge Jesus: «Parabéns ao Estoril, é sempre uma equipa dificil, provou-o de novo. E em segundo lugar, dar os parabéns ao Jorge Jesus. Conseguiu jogar em três campos, está de parabéns. Houve clara influência de uma equipa de arbitragem que esteve francamente mal. O lance do penalty é mais de um metro fora da área e isso influencia o cariz do jogo. Dar os parabéns a quem condiconou não só este mas também o jogo do Sporting, que foi mais do mesmo. Quem ganhou hoje aqui foi a estratégia de Jorge Jesus.»

«As preces de Jesus foram ouvidas, não tenho a menor dúvida. Dou-lhe todo o mérito, jogou em três jogos. Oxalá que um dia consiga jogar em três jogos mas não desta forma. Jogou no Sporting, não tenho dúvida nenhuma, e aqui também», acrescentou.

Estávamos a 22 de setembro e o FC Porto iniciava um mês complicado em que viria ainda a perder em casa na Liga dos Campeões com o Atlético de Madrid e o Zenit São Petersburgo
. Após o desaire com os espanhóis bateu no peito («Se há um responsável, sou eu») e contra os russos foi forçado a fazer o mesmo («Eu assumirei e serei o único responsável»). Nessa altura os adeptos ainda apreciavam as exibições, desculpavam as falhas e acreditavam num futuro melhor: «Os aplausos dos adeptos foram o reconhecimento do esforço que os jogadores tiveram, do bom jogo da equipa, e isso satisfaz-me imenso».

Depois de vitória em casa sobre o Sporting (3-1), visita ao Restelo e nova escorregadela. A euforia passou rápido e o treinador voltou a ter de se explicar: «Fomos ineficazes no último terço e também houve mérito do Belenenses na forma como se defendeu. Tivemos bons momentos de futebol, mas não conseguimos ser incisivos. A equipa do FC Porto está sempre pressionada. Continuamos em primeiro lugar, mas claro que o resultado não era o que queríamos».

A equipa intercalava maus resultados com vitórias, mas alguns empates surgia como verdadeiras derrotas. É o caso do 1-1 com o Nacional em casa, a 23 de novembro: «Não estou minimamente satisfeito com a perda de pontos, mas os meus jogadores jogaram o suficiente para vencerem. Confio nestes jogadores. O jogo teve sentido único. O FC Porto esteve sempre instalado no meio-campo ofensivo, mas faltou decidir bem no último passe e ter agressividade na finalização. O resultado é de todo injusto. Tivemos 77 por cento de posse de bola e 30 remates à baliza. Sofremos um golo quando nada o indiciava. O futebol é assim. Se tivéssemos marcado em algumas das muitas ocasiões criadas, tínhamos ganho. mas cometemos mais um erro defensivo e pagámos caro. Não há muitas explicações a dar a não serem estas».

Fonseca começava a não conseguir explicar o que se passava com a equipa



Os primeiros lenços brancos apareceram a 26 de novembro, em mais um empate caseiro (1-1), desta feita com o Áustria Viena. «Não é agradável, mas é perfeitamente normal. Não há como fugir a isso. Há insatisfação nos adeptos e é o treinador que acaba por sofrer em função dos resultados que não conseguimos obter. Não fujo às minhas responsabilidades», disse o treinador na altura, voltando a dar o peito às balas: «Se há um responsável aqui, assumo que sou. A responsabilidade é minha. Não fujo às minhas responsabilidades e responderei por elas. Já estávamos obrigados a vencer, vamos tentar fazê-lo e esperar para ver o que sai do outro jogo».

A crise era já uma evidência e quatro dias depois agravou-se com a derrota em Coimbra com a Académica (0-1). «Temos uma primeira parte para analisar e que nos merece profunda reflexão. Não fomos determinados, agressivos, em suma, não fomos uma equipa à Porto, sinceramente. Faltou determinação, claramente agressividade, a Académica foi muito mais do que nós nesses dois aspetos. Tivemos oportunidades, falhámos o penalti, mas também é verdade que deveríamos ter sido mais capazes, que deveríamos ter jogado de outra forma. Se há coisa de que não duvido é das minhas capacidades. Se a ideia continua a passar? Sempre senti os jogadores comigo, que o grupo de trabalho estava comigo, nunca duvidei disso», disse poucas horas antes de conhecer a pior receção que há memória de uma equipa do FC Porto no Estádio do Dragão, com direito a envio de tochas contra o autocarro da equipa.

A reação foi positivo, com um triunfo caseiro sobre o Sp. Braga, mas logo a seguir novo desaire e eliminação da Liga dos Campeões. A derrota com o Atlético em Madrid mostrou uma equipa combativa, mas novamente derrotada: «Não gosto de encontrar desculpas e de me agarrar a essas coisas de sorte e azar. Mas foram quatro bolas ao poste, um penálti falhado e um golo sofrido de ângulo impossível. Não podemos sofrer um golo como aquele, houve incompetência nossa, claro. Temos que assumir culpas. Foi por demérito próprio que não seguimos em frente. Conversa com Pinto da Costa no final? Falámos de coisas normais após um jogo».

A equipa finalizaria bem o ano, com vitórias e um empate em Alvalade para a Taça da Liga, mas a 12 de janeiro surgiu o Benfica na Luz e os alertas voltaram a soar. «O Benfica marca dois golos, acaba por ganhar, não há muito mais a dizer. Sobre a classificação, só posso dizer que ainda falta muito. Tenho uma confiança cega de que na última jornada seremos campeões. Já tinha dito que este jogo não seria decisivo». A confiança era cega…

Seguiram-se três vitórias em casa e nova deslocação a terreno difícil, com derrota perante o Marítimo (0-1). «Temos noção das dificuldades que este resultado nos traz. O mais importante não é o Paulo Fonseca, mas sim a equipa. Faltou-nos agressividade, sobretudo no primeiro tempo. No segundo tivemos outra atitude, conseguimos criar inúmeras oportunidades para marcar, assumindo riscos. Não conseguimos marcar mas fizemos tudo para inverter a situação», lamentava o treinador que via o Benfica fugir.

Mais três jogos vitoriosos e o regresso à crise, com um empate caseiro na Liga Europa com a frágil equipa do Eintracht Frankfurt. Fonseca está muito pressionado, na véspera do jogo chama Borussia ao adversário e após o jogo volta a falar noutras duas equipas. O discurso perde qualquer tipo de nexo: «Fizemos um bom jogo, criámos ocasiões, fomos infelizes na forma como sofremos os golos. O FC Porto chega a uma boa vantagem jogando bom futebol, estando bem no jogo. A verdade é que nada o fazia prever. Na primeira parte o Bayer [ndr. Eintracht Frankfurt] praticamente não chegou à nossa baliza. Este resultado é tremendamente injusto. Não houve aqui falta de entrega nem de atitude. Houve bom pensamento do jogo. A felicidade esteve do outro lado. A eliminatória está a meio. Temos de ir ganhar a Leverkusen [ndr. Frankfurt].»



«Vou falar com o presidente». 23 de fevereiro, Paulo Fonseca é um jogador derrotado, não só perante o desaire imposto em casa pelo Estoril, mas porque simplesmente já não consegue encontrar soluções para as fragilidades da equipa. «Criámos oportunidades, estivemos sempre instalados no meio-campo do Estoril, mas não conseguimos concretizar. O Estoril foi lá uma vez e conseguiu marcar de penalti. O futebol é isto. Vamos ver, vamos ver, vou falar com o presidente. Obviamente que este é um resultado difícil de aceitar. Não vamos baixar os braços», disse na altura.

Aproximava-se o jogo da segunda mão com o Eintracht Frankfurt e Pinto da Costa não quis alterar a estrutura. Era possível ambicionar uma passagem à fase seguinte da Liga Europa e foi isso que aconteceu, com novo empate (3-3). Um balão de oxigénio para o treinador: «Esta passagem é merecida por aquilo que os jogadores têm vindo a fazer. Tiveram uma grande atitude. Houve momentos em que as coisas estiveram difíceis, com a desvantagem de dois golos, mas a equipa respondeu bem. Era de todo impensável sofrer aqui três golos e não pensávamos ter aqui este resultado. Passámos bem, era o nosso objetivo e estamos contentes. Como me sinto? Exatamente igual [ao que estava antes do jogo]. Sim, falei com o presidente. Falamos sempre depois das partidas.»

Mero estertor, dado que bastou regressar ao campeonato para tudo ficar mal outra vez. E com novo empate, desta vez em Guimarães. Foi o quarto jogo consecutivo sem vencer, permitindo a fuga dos principais rivais na luta pelo título. Fonseca deixava de ter explicações e colocava finalmente a culpa nos jogadores:

«Já passámos por esta situação outras vezes, não aprendemos a lição e quando assim não merecemos mais do que o empate. É inadmissível estar a ganhar por 2-0 e permitir o empate. Na segunda parte deixámos de jogar, deixámos de circular a bola e fizemos um jogo direto que nada nos favorece. Se foram erros individuais ou também coletivos? Isto não são só erros individuais, claramente. Tivemos faltas de concentração coletivas notórias. Há coisas que são inexplicáveis e o que se passou aqui é inexplicável. Não sei se o balão de oxigénio que conseguimos em Frankfurt fica vazio, a verdade é que entrámos aqui bem e nada fazia prever isto. A equipa vive um estado de instabilidade emocional que é difícil de ultrapassar. Uma equipa como a do FC Porto não pode sofrer golos desta forma. Estou a ser mais duro com os jogadores? Temos de ser realistas. Com a experiência de outros jogos, como o de Frankfurt, onde tivemos capacidade de recuperar, nada fazia prever isto. Não podemos perder as vantagens que temos. É mais do que evidente que a equipa se intranquiliza quando sofre golos. Não há que esconder isto. No FC Porto isso não pode acontecer».

Mas a verdade é que acontece. Até quando?