A ‘Euro 2016 Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos da Europa para lhe apresentar a melhor informação sobre as 24 seleções que vão disputar o Europeu de França. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autor dos textos: Kristof Terreur

Parceiro oficial na Bélgica: HLN

As fundações da equipa evidenciam algumas fendas, mas o selecionador Marc Wilmots não tencionava mudar a defesa depois de perder o seu líder carismático, Vincent Kompany, por causa de uma lesão muscular na coxa, e depois Nicolas Lombaerts, o seu segundo central. Mas uma exibição duvidosa no particular com a Finlândia da sua dupla, Jason Denayer-Thomas Vermaelen, fê-lo finalmente mudar de ideias. «Quero o Toby Alderweireld a liderar a defesa», disse. Quando anunciou os convocados, Wilmots prometeu que iria usar Jason Denayer, um central inexperiente mas talentoso, como substituto do capitão. Wilmots prefere ter um jogador dextro e outro esquerdino na dupla de centrais. Acabou por desviar Denayer para lateral-direito, uma posição em que ele já tinha jogado no Galatasaray.

Wilmots resistiu sempre a juntar no centro da defesa Toby Alderweireld e Jan Vertonghen, a dupla do Tottenham e uma das melhores parcerias da Premier League esta época. O problema dele é que a Bélgica não produziu muitos bons laterais nos últimos cinco anos. Alderweireld ou Denayer e Vertonghen são as opções menos más. Wilmots chamou Thomas Meunier, lateral do Club Brugge, e Jordan Lukaku, irmão de Romelu e atualmente a jogar no Oostende, como alternativas. Mas ambos têm pouca experiência ao mais alto nível e não são defensivamente muito fortes. Anthony Vanden Borre, antigo jogador do Portsmouth, que esteve no Mundial, foi mandado para a equipa B do Anderlecht no início da época após um conflito com elementos do clube. Já não é opção. No particular com a Suíça, Wilmots até testou Witsel a lateral-direito.

Desde que Wilmots substituiu George Leekens, em 2012, ele raramente mudou o seu sistema de 4-2-3-1. Os jogadores também são mais ou menos os mesmos que chegaram aos quartos de final no Brasil, a sua primeira experiência com a seleção numa grande competição. Radja Nainggolan, da Roma, cuja ausência para o Brasil foi uma surpresa, é a única novidade no meio-campo. Deu algo mais à equipa com a sua energia, a sua capacidade de desarme e de fazer golos a longa distância. Sofreu uma lesão no fim de maio e recuperou mesmo em cima do Europeu.

Como a Bélgica sentia dificuldades com o seu jogo de passe lento, Wilmots fez algumas mudanças. Em outubro moveu Kevin De Bruyne da ala direita para o papel de número 10. O médio do City já se destacava na seleção, como o jogador mais decisivo e consistente desde 2012, mas agora reforçou essa influência. Eden Hazard, que será o capitão em França, terá liberdade na esquerda, mas a equipa não está construída em torno dele. Wilmots espera que ele dê aquela chama extra, depois de uma época frustrante. Yannick Carrasco, que mostrou o seu talento no Atlético Madrid, provavelmente ocupará a ala direita.

Lukaku vai começar o Euro como a primeira escolha para a frente, mas vai ter de mostrar rendimento. Com Christian Benteke, Divock Origi e Michy Batshuayi, Wilmots tem mais três opções de ataque, todos com perfis diferentes. O avançado na seleção é essencialmente usado como pivot, não como goleador – o que frustra alguns deles. Uma das razões por que Marouane Fellaini é ainda o melhor marcador da geração de ouro belga.

Onze provável: Thibaut Courtois; Jason Denayer, Toby Alderweireld, Thomas Vermaelen, Jan Vertonghen; Axel Witsel, Radja Nainggolan; Yannick Carrasco, Kevin De Bruyne, Eden Hazard; Romelu Lukaku.

Que jogador da Bélgica pode surpreender no Euro 2016?

Este pode ser o Europeu de Yannick Carrasco. Eden Hazard está a aproximar-se de novo do seu melhor depois de uma época perdida no Chelsea, em má forma e a lutar contra lesões. Kevin De Bruyne mostrou do que é capaz no Manchester City, por isso não será surpresa se ambos aparecerem em França. Mas Carrasco é o fator desconhecido, depois de uma excelente primeira época no Atlético. Ele não parece o extremo típico. É bastante alto, tem bons pés, mas é a sua velocidades de aceleração que muitas vezes faz a diferença: ele consegue abrir equipas e cria oportunidades para os companheiros. Também pode levar à equipa alguma da mentalidade de Diego Simeone.

Que jogador pode desiludir?

É tudo ou nada para Marc Wilmots, o selecionador da Bélgica. Toda a gente espera que a geração de ouro finalmente cumpra. A equipa ganhou experiência no Brasil, o seu primeiro grande torneio. Wilmots não tem uma grande carreira como treinador, uma curta passagem pelo Schalke e um fracasso no St. Truiden. Criou um grupo com bom ambiente, mas as suas competências táticas e a qualidade dos seu treinos foram frequentemente criticadas. Se a Bélgica falhar, todos os olhares se virarão na sua direção.

Até onde pode chegar a Bélgica e porquê?

Toda a gente espera melhor resultado que no Brasil, onde a Bélgica chegou aos quartos de final. Portanto, pelo menos as meias-finais.

Os segredos dos jogadores

O céu é literalmente o limite para Witsel

O céu é o limite para Axel Witsel. Desde o início do ano o médio do Zenit é co-proprietário da LindSky Aviation, uma companhia que treina pilotos e vende aviões privados. Atualmente ele é o Diretor de Relações Públicas, mas tem o plano ambicioso de liderar a empresa quando terminar a carreira de jogador. «Enquanto os meus companheiros jogam PlayStation, eu posso ler sobre formação de pilotos», disse. «Quando terminar a carreira quero tirar o brevet.»

Radja, em nome da mãe

O gladiador da Bélgica, a quem chamam «Ninja» em Roma, tem as suas cicatrizes. Radja sempre foi um lutador, como revela uma tatuagem na sua perna esquerda. Dentro e fora de campo. O pai deixou a família quando ele tinha cinco anos e voltou para a Indonésia, algo que ele nunca lhe perdoou. Há seis anos ele perdeu a mãe depois de uma batalha contra o cancro, com recurso a eutanásia. A mãe era tudo para Radja e a sua irmã gémea, Riana, que também joga futebol. Ele tem uma tatuagem com duas asas nas costas, um tributo à mãe. A poderosa imagem também tem a sua data de nascimento e de morte. Quando tinha 17 anos, Radja mudou-se para Itália. Sobreviveu às saudades de casa porque queria viver o seu sonho: tornar-se um futebolista profissional.

O simpático Corolla de Vertonghen

Os belgas adoram modéstia. E, apesar de um salário estimado em 75 mil euros semanais, Vertonghen cativou os adeptos em outubro de 2015. Enquanto os companheiros apareciam na concentração nos seus carros topo de gama – Axel Witsel num Cadillac, Kevin de Bruyne num SUV sofisticado -, o defesa do Tottenham chegou à boleia com a mãe, que conduzia um Toyota Corolla com nove anos. Até teve direito a um beijo de despedida. O Corolla tem um valor emocional muito grande para a família Vertonghen. Foi o último carro que os pais compraram antes da morte do pai, depois de uma doença prolongada. Vertonghen não tem carro na Bélgica e fica sempre com a família quando a seleção se concentra. Em Londres conduz um Porsche.

Lukaku, rapper e não só nas horas vagas

Um matador perante a baliza, um rapper por vocação. O avançado do Everton adora futebol, mas também tem uma segunda paixão. Adora música. Em maio chegou ao centro de treinos com uma mala gigante. Trouxe o seu equipamento de DJ, para entreter os companheiros com a sua música. Lukaku também partilha algumas das suas canções favoritas no Instagram. Há um vídeo divertido da Federação belga que mostra Lukaku a cantar gangster rap a pedido, ao lado de Thibaut Courtois. Está aqui.

Jordan, o irmão cresceu

O irmão de Romelu é rápido no campo, mas fora dele excedeu-se. No verão passado foi condenado a uma multa de 2880 euros e a um ano de inibição de conduzir por ter sido apanhado em excesso de velocidade e sem carta. O juíz até avisou que ele pode vir a ser preso se reincidir. Foi um último aviso para o Lukaku mais jovem. Todo o incidente e a morte do seu melhor amigo e então jogador do Wolfsburgo Junior Malanda, depois de um acidente de carro, abriram-lhe os olhos. Tornou-se mais profissional, fez uma excelente época e empurrou para segundo plano a sua má imagem.

A figura: Jason Denayer

Há nele algo de Kompany. A alcunha (o novo Kompany), o clube (Manchester City), a posição (defesa central, ainda que Wilmots pondere adaptá-lo a lateral-direito), as suas qualidades (forte, rápido, bom tecnicamente), a origem (um «miúdo da rua» de Bruxelas de uma família mista) e agora o lugar dele na seleção. Conheçam Jason Denayer, um guerreiro que começou descalço.

Ele quer construir o seu próprio nome, mas Denayer não pode negar as comparações com o compatriota. Quando chegou ao Celtic por empréstimo em 2014, o clube escocês anunciou-o orgulhosamente como «o novo Kompany». Dizia tudo sobre a sua reputação e o seu potencial. Mas só o tempo dirá se Denayer segue as pisadas de Kompany e se torna um dos melhores defesas da Premier League. O defesa de 20 anos jogou no Galatasaray por empréstimo mas na próxima época volta ao Manchester City e espera convencer Pep Guardiola.

Denayer não é no entanto tão expressivo como o seu ídolo, por enquanto - é um pouco tímido, calmo e delicado - mas tem força de vontade e é muito competitivo. Quando tinha cinco anos o pai levou-o ao Ganshoren, um dos clubes de Bruxelas, mas o treinador rejeitou-o por ser demasiado novo – na Bélgica só se pode jogar futebol organizado num clube a partir dos seis anos. «Fiquei tão devastado que ainda me lembro desse dia», contou Jason ao Het Laatse Nieuws. «Chovia a potes e vi o Junior Malanda - nascido em 1994 - a correr no campo. E eu não podia. Isso motivou-me. Fiquei determinado a ir para lá um ano mas tarde.»

Denayer gosta de evoluções rápidas. Aos 11 anos fez um primeiro treino de captação no Anderlecht. Os outros jogadores não lhe passavam a bola, por isso disse ao pai que não queria jogar no maior clube belga. «Quero voltar ao Ganshoren.» Mas quando o Anderlecht lhe bateu à porta 12 meses mais tarde, aceitou voltar, embora não tenha durado muito tempo.

Os olheiros da recém-formada Academia Jean-Marc Guillou viram no então avançado de 13 anos uma visão notável. Os treinos eram muito exigentes e no último dos quatro dias à experiência ele estava de rastos. Alguém lhe propôs que experimentasse jogar a defesa. Resultou bem.

Depois do treino Vincent Defour, um dos treinadores, perguntou-lhe: «Sonhas ser jogador profissional?» Denayer sabia que teria dificuldades em estar à altura dos avançados baixos e tecnicamente dotados que viu nos treinos e decidiu ele próprio tornar-se defesa. Nunca olhou para trás. Assinou com a academia JMG, uma escolha pouco ortodoxa para uma carreira profissional.

Guillou foi um dos principais olheiros de Arsene Wenger e tem fama de ter desenvolvido talentos como os irmãso Touré, Gervinho, Eboué, Salomon Kalou e muitos mais nas suas academias africanas. Quis replicar o seu conceito de sucesso em Tongerlo, perto de Antuérpia. A iniciativa foi acolhida com muita resistência pelos clubes profissionais, incomodados por a academia levar alguns dos seus jovens talentos, mas também porque os miúdos eram retirados do futebol competitivo, porque o foco na academia era a técnica e a educação numa escola privada.

Aprendiam as técnicas de futebol e treinavam descalços para melhorar o toque na bola. «O regime era duro e nas primeiras semanas tive as minhas dúvidas», recorda Denayer, contando que era especialmente difícil para os mais novos: «Às segundas-feiras faziam a viagem na carrinha entre Bruxelas e Tongerlo a chorar.»

A academia salvou-o das ruas e de todos os problemas que os miúdos na sua situação enfrentam. A sua família – pai belga e mãe congolesa – tinha-se mudado para o bairro de Anneesens, uma das zonas degradadas de Bruxelas. Ele passava muito tempo na rua. «É preciso ter cuidado», diz Denayer: «Conheci miúdos com mais talento que eu, mas que ficaram pelo caminho. Fizeram outras escolhas. É o risco de crescer num bairro difícil.»

Aos 18 anos, Denayer já era um defesa forte. Sempre foi bem dotado fisicamente, alto e forte, mas também sabia driblar e jogava sem medoo. O Lierse, que tinha uma parceria com a academia, quis contratá-lo, mas ele tinha outros planos. Rejeitou a oferta e foi a Inglaterra.

Treinou à experiência no Liverpool, mas não chegou a acordo com o clube. A paragem seguinte foi o City. «Demorou meses até o clube tomar uma decisão, o período mais longo da minha vida. Mas quando assinei fiquei super feliz», diz Denayer.

Em janeiro de 2014 participou na digressão de pré-época aos EUA com a equipa principal, mas jogou apenas alguns minutos. Depois o agente falou-lhe no interesse do Celtic. «Pensei: Glasgow, a cidade onde o sol só brilha uma vez por ano? Mas o treinador ligou-me e convenceu-me», recorda. «Antes de chegarmos ao balneário na visita ao estádio, o meu pai disse-me: «Jason, quando passares aquela porta és um jogador profissional. E tens que te comportar como tal.»

No primeiro jogo pelo Celtic, frente ao Dundee, ele marcou um golo. Ao fim de quatro minutos. «O puzzle encaixou.»

Em tempos um outro jovem teve um início similar na Liga belga. Chama-se Vincent Kompany.