Mais do que o atletismo ou o desporto, é o país que está de luto: Portugal perdeu um senhor que esteve na origem de algumas das mais belas páginas de fervor patriótico.

Mário Moniz Pereira nasceu a 11 de fevereiro de 1921, em Lisboa, no seio de uma família de posses, e dedicou a vida ao atletismo. Esteve por detrás de campeões como Carlos Lopes, Fernando Mamede, Dionísio e Domingos Castro, Obikwelu ou Naide Gomes.

No fundo fez do atletismo do Sporting um êxito mundial.

Mas por partes.

Antes de mais convém dizer que Moniz Pereira viveu vários anos na Avenida de República, em Lisboa, onde era vizinho de Salazar Carreira: do antigo atleta, jornalista e dirigente do Sporting bebeu boa parte da paixão pelo desporto que o marcou.

Por isso, e durante a juventude, praticou andebol, basquetebol, futebol, ténis de mesa, hóquei em patins, voleibol e atletismo.  

Chegou a ser campeão universitário do triplo salto e entrou no Sporting como praticante de ténis de mesa, aos 18 anos, para ficar praticamente toda a vida.

Contra a vontade do avô, que o queria ver numa profissão mais respeitável, licenciou-se em Desporto no antigo Instituto Nacional de Educação Física de Lisboa, que viria a dar origem mais tarde à Faculdade de Motricidade Humana.

Depois de concluído o curso, cumpriu o serviço militar nos Pupilos do Exército, praticando vários modalidades e chegando a ser convidado a ficar como professor. Mas a vida militar não lhe agradava e regressou ao Instituto Nacional de Educação Física, no qual permaneceu durante 27 anos como professor.

Em 1945, quando tinha 24 anos, tornou-se treinador de atletismo e de ginástica do Sporting, dando início à verdadeira paixão.

Pelo meio, é verdade, chegou a ser preparador físico da equipa principal do Sporting com Fernando Vaz, em 1970 e 1971, ou selecionador nacional de voleibol, mas nunca deixou o verdadeiro amor: o treino de atletismo.

Começou no Sporting, passou pela Seleção Nacional, foi diretor do Estádio Nacional e presidiu à Comissão de Apoio à Alta Competição.

Foi nesta última, aliás, que em plena audiência com o Governo, quando apresentava o Plano de Preparação Olímpica, soltou uma frase para a história.

«Dêem-nos as melhores condições que obteremos iguais resultados», atirou.

Menos de um ano depois, nos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976, Portugal consegue pela primeira vez uma medalha olímpica no atletismo, com a prata de Carlos Lopes nos 10000m.

Homem duro e exigente com os atletas, Moniz Pereira não permitia atrasos, por exemplo. Tornou-se conhecida até uma frase que afixava na porta do balneário: «Amanhã há treino às 9.00 horas em ponto, sejam quais forem as condições atmosféricas, incluindo terramoto.»

Quem o conhecia dizia que não era um talento nato, mas sim o resultado do trabalho e do rigor. Certo é que esteve na origem do primeiro ouro olímpico português, conseguido por Carlos em 1984, mas esteve na origem também do recorde mundial dos 10 mil metros de Fernando Mamede que durou cinco anos.

Esteve presente em doze Jogos Olímpicos, em cinco Campeonatos do Mundo e em treze Campeonatos da Europa.

Somou 54 campeonatos nacionais de pista, entre masculinos e femininos, e 55 campeonatos nacionais de corta-mato, também entre masculinos e femininos. Ainda no corta-mato somou 12 títulos da Taça dos Campeões Europeus.

São números impressionantes, que sustentam uma carreira inigualável e justificam as condecorações que recebeu: Ordem Olímpica, Ordem de Instrução Pública e Ordem de Mérito. Em 1991 tornou-se Grande-Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique.

Numa vida longa e rica, acumulou outra paixão que gostava de praticar: a escrita de canções. Fez mais de 120 fados, que foram cantados pelos maiores nomes da música nacional. Amalia Rodrigues, Carlos do Carmo, Tony de Matos, Paulo de Carvalho, João Braga, Fernando Tordo ou Camané, por exemplo.

Mas essa era apenas uma paixão: a outra, a verdadeira, a principal, era o treino de atletismo. Fabricou dezenas de campeões que lhe devem vários feitos.

Fabricou também boa parte da história do Sporting, que lhe provocou um dos maiores desgostos quando deitou abaixo o velho Alvalade e com ele destruiu a pista de atletismo.

«Era o meu laboratório. Foi aqui que trabalhámos durante mais de cinquenta anos. O nosso país continua a ser uma ditadura futebolística», desabafou no último dia, antes de se isolar no topo da bancada a olhar uma última vez para a pista onde treinavam os atletas.

Nessa altura, convém dizer, já não treinava no campo. Ou raramente o fazia. Dirigia o atletismo do Sporting no gabinete, chefiando a modalidade, desde 1992, mas por vezes não conseguia deter-se: descia ao terreno, agarrava no cronómetro e afastava o treinador para ele próprio dar as ordens aos atletas. Estava-lhe no sangue...

Faleceu este domingo, dia 31 de julho de 2016, aos 95 anos, e deixou Portugal de luto.

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