Foi ao princípio da tarde em Sydney - madrugada de quinta-feira na Europa - que a notícia temida por todos os adeptos australianos se concretizou. Um breve comunicado do médico da federação australiana de críquete confirmava que, após dois dias em coma induzido, o batedor Phillip Hughes tinha morrido, em consequência da lesão sofrida ao ser atingido na cabeça por uma bola lançada por um adversário, Sean Abbott, na última terça-feira. O incidente ocorreu durante um encontro entre as equipas de South Australia e de Nova Gales do Sul.

«É meu triste dever informar que Phillip Hughes faleceu há instantes. Nunca recuperou a consciência depois da lesão sofrida na terça-feira. Não sofreu, e partiu rodeado pela família e amigos próximos», informava o médico Peter Brukner, que acompanhou em permanência o estado clínico de Hughes depois do incidente que lhe custou a vida.



Atingido com violência na parte inferior da cabeça por um «bouncer» - uma bola atirada com força contra o chão e que sobe em direção ao batedor – Hughes sofreu rotura da artéria vertebral esquerda, o que lhe provocou uma hemorragia interna incontrolável, apesar da intervenção cirúrgica de urgência, logo após o sucedido.

Segundo um estudo realizado pelo Instituto Australiano de Saúde em 2012, o críquete tem uma taxa de lesões graves (5 a cada 100 mil) bastante inferior à de outras modalidades coletivas como o râguebi, o «Aussie Football» e mesmo o futebol tradicional. Mas o incidente reforça a perceção do críquete como uma modalidade potencialmente letal: alguns lançamentos atingem os 160 quilómetros por hora e os capacetes usados pelos jogadores – como era o caso de Hughes – não garantem proteção total para a parte inferior do crânio.

Por entre dezenas de casos de fraturas e lesões mais ou menos graves, este foi o quinto caso registado de morte em situação de jogo, só nos últimos cinco anos. Em 2013, o sul-africano Darryn Randall e o paquistanês Zulfiqar Bhatti, a competirem em Ligas domésticas nos respetivos países, foram vitimados pelo impacto da pesada bola, feita de cortiça e couro. O mesmo destino teve o árbitro inglês Alcwyn Jenkins, atingido em 2009, enquanto o inglês Richard Beaumont sucumbiu a uma crise cardíaca enquanto preparava um lançamento (2012).

Na sequência do incidente, a marca de capacetes mais utilizada pelos profissionais de críquete, a britânica Masuri, lembrou em comunicado que Hughes estava a utilizar um modelo ultrapassado, sublinhando que os novos modelos ampliam a área protegida na parte inferior do crânio e no pescoço: «Estamos a analisar o maior número possível de registos vídeo do incidente para percebermos com a maior precisão onde é que o jogador foi atingido». Ainda assim, reconhece a Masuri, «há uma área vulnerável que os capacetes não podem cobrir totalmente de forma sem condicionar a mobilidade dos batedores».

A morte de Hughes reforça o debate sobre a eventual necessidade de modificar algumas regras da modalidade por questões de segurança, algo que é complicado de impor num desporto tradicionalista por excelência: a proibição de «bouncers», a limitação das corridas de balanço ou a imposição de terrenos de jogo mais macios, de forma a impedirem ressaltos tão abruptos, estão entre as sugestões que, até à data, têm sido rejeitadas pelas autoridades.

Drama também para Sean Abbott

Um dos jogadores mais populares na Austrália – onde o críquete é um dos desportos coletivos com mais adeptos, a par do Futebol Australiano e do Rugby League - Hughes iria completar 26 anos no próximo domingo, e tinha sido 26 vezes internacional.


Bandeira australiana a meia haste no Sydney Cricket Ground

A sua morte deixou o país em choque, como sublinhou o primeiro-ministro australiano, Tony Abbott, num dos muitos tributos que não tardaram a chegar assim que a notícia foi conhecida: «Pensar que um jogador no auge pode morrer a praticar o nosso desporto nacional é chocante e desanimador. Devemos estar conscientes dos riscos corridos pelos nossos desportistas para darem prazer ao público. O que aconteceu tocou milhões de australianos», afirmou.

Nota comum a quase todas as reações foi a preocupação com o involuntário causador da tragédia, Sean Abbott, o lançador da equipa de Nova Gales do Sul que, visivelmente destroçado, visitou Hughes no hospital, pouco antes de ser declarado o seu falecimento: «Os nossos pensamentos e orações estão com a família Hughes, mas devemos também lembrar-nos de Sean Abbott, que estará absolutamente devastado com esta tragédia», afirmou o primeiro-ministro.
 


A mesma preocupação foi assumida pela federação australiana de críquete, que através das suas contas nas redes sociais fez passar a mensagem: «A união e força da família do críquete é mais importante do que nunca neste dia incrivelmente triste. Por favor, tenham Sean Abbott nos vossos pensamentos».



As homenagens a Phillip Hughes não se fizeram esperar: a equipa de Inglaterra, atualmente no Sri Lanka, cancelou todas as atividades do dia, em respeito à memória do australiano. As duas equipas jogarão com braçadeiras negras e vão cumprir dois minutos de silêncio antes de se defrontarem. Também o capitão da seleção australiana de râguebi, Michael Hooper, assumiu que pretende ver a sua equipa entrar em campo com fumos negros quando defrontar a Inglaterra no próximo sábado, em Twickenham: «Espero que tenhamos autorização para fazê-lo», afirmou.

A atestar o impacto que a notícia teve, especialmente nos países britânicos, onde o críquete é uma paixão, fica a homenagem de Jack Wilshere, o internacional inglês, que no dia em que foi operado e viu confirmada uma paragem de três meses por lesão dedicou esta mensagem a Hughes: