PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. Cultural, quero crer. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura, no teatro. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Mas não só. Ideias soltas, reflexões comuns, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera das nossas prioridades. PLAY.

SLOW MOTION:

«BAGDAD MESSI» - Sahim Kalifa. O campo de jogos é desolador. Árido, poeirento, irregular. Hamoudi não se importa. A bola salta, os amigos estão lá e Messi também. O menino iraquiano, dez anos, não larga a camisola do génio de Rosario.

Hamoudi não tem uma perna. Perdeu-a ao pisar uma mina. Não se importa. Faz das fraquezas, forças. Chega ao terreno de todos os sonhos, agarra nas muletas e transforma-as em postes da baliza que defende. Encaixa-as em latas enferrujadas e começa a dar instruções aos colegas.

Ele é Messi, ele é guarda-redes, ele sonha com a final da Liga dos Campeões entre Barcelona e Manchester United. O coração do pequeno Hamoudi bate apaixonado pelo futebol, os seus dias são vividos a fugir do caos e a refugiar-se em brincadeiras.

Tudo corre bem até à pior das notícias. Na véspera do Barça-United, a televisão de Hamoudi avaria. E agora? Inspirador, comovente.



PS: «ZERO DARK THIRTY», de Kathryn Bigelow. A invasão à fortaleza onde vivia Osama bin Laden é um grande momento cinematográfico. A cada esquina, a cada fechadura arrombada, o coração dispara. Sabemos como vai acabar, desconhecemos o caminho para lá chegar. Vale a pena ver e avaliar, até por ser candidato a melhor filme do ano nos Oscars.

SOUNDCHECK:

«UN ESTATE ITALIANA» - Gianna Naninni e Eduardo Benneto. A ingenuidade dos meus 12 anos não me permitiu ver o que os mais velhos viam. Um Mundial de futebol pastoso, duro, viciado pelos constantes atrasos de bola. Sim, em 1990 os guarda-redes ainda podiam agarrar a bola vinda dos colegas. Heresia!

Para mim, o Itália-90 é o torneio do relâmpago-Schillaci, das lágrimas de Maradona, da cuspidela de Voller a Rijkaard, dos desvarios de Higuita, do heroísmo de Milla. E desta música.



Todos a cantávamos. Todos ligávamos mais cedo a televisão na esperança de a ouvir. Todos pedíamos aos nossos pais a cassete deste hino oficial.



PS: «HUMMINGBIRD», dos Local Natives. Andar em digressão com os Arcade Fire só lhes pode ter feito bem. Estes californianos têm a capacidade de soprar emoção para cada nota dedilhada, para cada refrão entoado pelos quatro cantos da alma. A voz de Taylor Rice ajuda. Muito. Breakers é uma grande música, Colombia agarra-se a nós.

VIRAR A PÁGINA:

«FUTEBOL AO SOL E À SOMBRA» - Eduardo Galeano». A escrita do uruguaio é mágica. Li esta obra já há alguns anos. Embeiçado, invejoso, a sonhar um dia poder escrever como ele. Galeano compara o futebol a uma peça teatral, a questiúnculas políticas, a manifestos sociais.

Assume-se obcecado pelo jogo, mais do que pelos clubes. O jogo bonito, esteticamente cuidado, é «um milagre dos céus». Nos tempos de hoje, em que a clubite grita as leis, a atitude venial de Galleano com o futebol encantado faz-nos regressar aos dias de romance.

Pela bola, pelos artistas que a tocam.

«Não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão. E nos estádios suplico: -Uma linda jogada, pelo amor de Deus!»

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas, livros e/ou peças de teatro através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.