Afinal, um raio pode cair duas vezes no mesmo sítio. E três. E até quatro. A Grécia ganhou o Europeu, levando até ao extremo os seus argumentos e filosofias de jogo. Calhou ser a selecção portuguesa o último obstáculo a separar os homens de Rehhagel da consagração. E só por isso alguém poderá pensar que o maior derrotado deste Europeu foi Portugal. Não foi, foi o futebol. Espanhóis, franceses e checos concordarão, logo seguidos pelos adeptos neutrais de todo o mundo, ainda ensonados por mais uma demonstração do método grego, versão alemã.

Os gregos nunca fizeram segredo do que queriam fazer e como pensavam fazê-lo. Assumiram-no desde o início da prova e, novamente, desde o primeiro minuto desta final, com uma desinibição e uma bravura que só pode ser um tremendo sinal de carácter e força mental. Palmas por isso. E só.

Cabia ao talento, ao risco, à magia, encontrar o antídoto para tanto bocejo. A selecção portuguesa foi a primeira e a última a falhar esse objectivo e este Europeu fechou o ciclo como começou. Com a consagração do calculismo e da combatividade; do rigor e da paciência; do cinismo e da autoconfiança. Nem um destes ingredientes rima com sonho. Nem um só leva espectadores aos estádios ou miúdos a querer tornar-se jogadores de futebol.

Um enredo demasiado previsível

Como nos maus filmes, ao fim de 10 minutos o enredo desta final já se tinha tornado óbvio. Os gregos traziam o seu plano a dois tempos, primeiro para arrefecer a pressão, depois para aproveitar um erro adversário. E, minuto após minuto, a esperança irracional de que alguma coisa viesse salvar o filme da mediocridade, foi sendo desmentida no relvado.

Do Dragão até esta noite, a selecção portuguesa tinha ganho personalidade e confiança e, nos três jogos que antecederam esta final, tinha conquistado, merecidamente, as preferências dos adeptos neutrais. Mas na Luz, passada a euforia de ver Portugal pela primeira vez numa final, assim que a poeira assentou, percebeu-se que no essencial muito pouco tinha mudado.

Certo, não se repetiram os erros defensivos da estreia e não houve golo madrugador a gelar as bancadas. Porém, ao fim de 10 minutos a arranhar a muralha, ao fim da quinta antecipação de Seitaridis a Figo, de Fyssas a Ronaldo, de Zagorakis a Deco, o fantasma renasceu. E ao fim de 20 minutos, 13 mil gregos incansáveis silenciaram de vez 50 mil portugueses cada vez mais inquietos.

Quando o excelente Miguel ficou incapacitado após cotovelada de Giannakopoulos percebeu-se que estava mesmo tudo a pender para os gregos. Scolari ainda demorou a lançar Paulo Ferreira mas não houve milagre, e o flanco direito de Portugal deixou de ser efectivo nos desequilíbrios. Era o princípio do fim.

A ténue chama de Rui

Ao intervalo, a sensação era de que prometia piorar. Piorou: no regresso das cabinas, Deco, manietado por Katsouranis, ainda tentou dinamizar o jogo português, mas nada lhe saía bem. E aos 57 minutos, os gregos cumpriram o segundo capítulo do plano: num canto de Basinas, o gigante Charisteas conseguiu iludir Costinha e cabeceou sem hipóteses para Ricardo.

Scolari lançou Rui Costa, porque faltava à selecção era alguém para pegar no jogo, como Deco nunca conseguiu. E Rui, na despedida da selecção, cumpriu a sua parte do contrato. Movimentações fluidas e passes inteligentes deram uma ténue chama à equipa, mas os dois únicos momentos de ruptura foram desperdiçados por Ronaldo (74 e 78m).

A carga final lusa, já com Nuno Gomes, esbarrou nos centímetros e na convicção grega, tal como um raide desesperado de Ricardo Carvalho esbarrou na atenção de Nikopolidis (80m). E a cena de comédia muda, protagonizada por um espontâneo que driblou as forças de segurança antes de depositar uma bandeira catalã aos pés de Figo e entrar pela baliza em apoteose foi, até ao apito final do complicativo Markus Merk, o único motivo de sorriso para os não-gregos nesta final. O resto é bocejo e a sensação de tempo perdido. Como nos maus filmes.