Aquele péssimo hábito português de deixar para amanhã o que pode (e deve) fazer-se hoje cumpriu-se em quatro das últimas seis fases de apuramento para Europeus ou Mundiais. Primeiro, a afamadas contas de calculadora; depois, o drama dos play-off.

As duas idas à Bósnia, aqueles dois jogos depois da desilusão na Luz que deixou em suspenso a ida ao Qatar. E o milagre de Cristiano Ronaldo na Suécia a 19 de novembro de 2013: há rigorosamente dez anos!

Desta vez, com um especialista em apuramentos imaculados (ou perto disso) ao leme, Portugal reservou viagem para uma grande competição mais cedo do que nunca.

E, neste domingo, Alvalade encheu-se. Não para mais um capítulo de sofrimento coletivo, mas para celebrar a Seleção, que bateu a Islândia por 2-0 e fechou a qualificação para o Euro 2024 com a décima vitória em dez jogos.

A cereja no topo do bolo.

A Seleção respondeu com uma exibição recheada de bons momentos de futebol aos quais o resultado não faz jus na plenitude. Por toda arte de João Félix. Pela graciosidade de Bernardo Silva. E pelo acerto de Bruno Fernandes em quase tudo.

Portugal teve um início de jogo autoritário, com o meio-campo e o ataque bem ligados e escorreita circulação de bola. Depois de uma bola de Otávio à barra, a Islândia cresceu, muito às custas dos impulsos de Sigurdsson pela esquerda.

O período de atrevimento dos islandeses foi demasiado curto para preocupar verdadeiramente Alvalade e depois dos 20 minutos a equipa das quinas colecionou chegadas perigosas à área contrária. Félix, Ronaldo, Bernardo, Gonçalo Inácio.

O bloco de gelo resistia como podia. Sem conseguirem ter bola, os islandeses procuravam tirar ritmo ao jogo com jogadores caídos no relvado. Mas nem isso travou Portugal.

O excelente golo de Bruno Fernandes aos 37 minutos após passe delicioso de Bernardo Silva – como estes dois se entendem! – dava alguma justiça ao jogo, mas o 1-0 ao intervalo era manifestamente curto para o futebol praticado pelos homens de Martínez.

Na segunda parte, a tendência do encontro manteve-se até ao 2-0, apontado aos 66 minutos pelo recém-entrado Ricardo Horta.

Depois, as substituições descaracterizaram o jogo. E, também, em parte o que Portugal havia sido até aí. Uma equipa com muitos momentos de brilhantismo e altamente compacta. E a Islândia, frágil, mas coletivamente bem organizada, chegou mais vezes à baliza de Diogo Costa nos últimos 20 minutos do que em todo o resto da noite.

Mas também aí viram-se sinais bem vincados da união de Portugal: como naquele momento em que um islandês se isolou a 70 metros da baliza de Diogo Costa e foi alcançado por quase meia-equipa com Gonçalo Inácio à cabeça.

A qualidade está lá. E o espírito de uma grande equipa também.

A Europa que se cuide, porque Portugal está diferente.

Para melhor.