Há um ano a Portuguesa dos Desportos festejava a permanência no Brasileirão. Agora, desceu à Série C. Tudo começou numa substituição em campo. Passou pela despromoção na secretaria e por uma série de problemas que colocam mesmo agora em causa o futuro do clube tradicionalmente ligado à comunidade lusa no Brasil, com 94 anos de história.


A 8 de dezembro de 2013, na última jornada do Brasileirão, com 0-0 no marcador frente ao Grémio, faltavam 15 minutos para o final quando o treinador Guto Ferreira fez entrar Heverton. Nada de mais até aí, o jogo terminou, a Lusa ficava na Série A e um dos clubes despromovidos era o histórico Fluminense. Passaram dois dias até tudo mudar: Heverton devia estar suspenso, a cumprir um segundo jogo de castigo, não podia ter jogado, disse a justiça desportiva. A decisão do STJD, o tribunal brasileiro que julga os casos desportivos, confirmou o caso e condenou a Portuguesa à perda de quatro pontos. E assim, segurava-se o Flu e descia a Lusa.


A Portuguesa protestou, contestou, foi mesmo relegada à Série B. O caso prolongou-se, com providências e recursos, em abril deste ano chegou ao ponto insólito do abandono de campo por parte da equipa, depois da entrada no relvado de um funcionário judicial. (A história, aqui).


Em 33 jogos na Série B, a Lusa apenas venceu três. Passaram pelo clube esta época mais de 40 jogadores (entre eles, nesta reta final, Bruno Moraes, bem conhecido do futebol português), e seis treinadores. Até ao fim, selado na terça-feira: a derrota frente ao Oeste, por 0-3, confirmou matematicamente a despromoção, a cinco jornadas do final.


A diferença de receitas entre a Série A e a Série B é enorme: só as receitas televisivas, segundo contas do Estadão, variam de 6,7 milhões de euros no Brasileirão para 700 mil euros no segundo escalão. Depois houve a quebra de público.


A Lusa teve a pior média de assistências da Serie B, com média de 116 adeptos por partida. Tudo somado, em 15 jogos em casa não teve sequer 18 mil espectadores pagantes, não teve espectadores que chegassem para lotar os 21 mil lugares do Canindé. A Folha de São Paulo conta que os jogos em casa, em vez de lucro, deram prejuízo ao clube.

Fora ainda pior. No jogo que selou a despromoção, frente ao Oeste, terá sido assim.

 
O clube chega ao final deste ano de Inferno em profunda crise financeira, com salários de vários meses em atraso. Os atuais dirigentes da Lusa culpam o rebaixamento na secretaria, a indefinição jurídica pela situação e a gestão anterior pela situação.


Mas os jogadores também apontam o dedo à direção. Aliás, nesta quinta-feira recusaram-se a treinar.

 


O defesa Mateus Alonso deixava este desabafo no final do jogo que ditou a descida à Série C: «Era uma tragédia anunciada. Vem lá do passado. Isso é um resultado, na realidade, do futebol brasileiro. Um clube da altura e tradição da Portuguesa, passou situação complicada ano passado, veio esse ano jogadores, elenco gigantesco, ausência de vencimento. Na vida ninguém trabalha de graça. Acho que os dirigentes não só da Portuguesa, mas de todo o Brasil dar uma repensada sobre o futebol, porque está difícil.»


Na Série C, sem receitas relevantes, a situação só tenderá a piorar. E já está muito má, como admite o atual presidente, Ilídio Lico. «Do jeito que está não dá. Tive que pagar as contas da água a funcionários com meu dinheiro. A folha salarial está atrasada há três meses. E jogador que não recebe não joga direito», disse, citado pela Folha.


O clube procura agora soluções, sobre todas o que fazer ao estádio do Canindé, com despesas de manutenção largamente superiores às receitas de bilheteira. A ideia é demolir mesmo o estádio e construir outro recinto mais pequeno, com um parceiro que suporte os custos, ganhando em contrapartida a exploração do espaço que fica vago.


O Canindé, que está profundamente ligado às raízes do clube paulista. Fundada em 1920, a Portuguesa dos Desportos resultou da fusão de cinco clubes, todos ligados à comunidade lusa no país: Luzíadas Futebol Club, Associação 5 de Outubro, Esporte Club Lusitano, Associação Atlética Marquês de Pombal e Portugal Marinhense.


O clube adquiriu nos anos 50 o terreno do Canindé, onde construiu um estádio com uma bancada de madeira, com a ajuda da comunidade. Como ficava junto ao Rio Tietê e tinha essa bancada de Madeira, ficou conhecido como Ilha da Madeira, mais uma alusão a Portugal.  

Nos últimos dias foram muitos os antigos jogadores e adeptos que lamentaram o ponto a que chegou a Lusa. Como Roberto Leal, o cantor luso-brasileiro que escreveu um depoimento emocionado na Folha de São Paulo: «A Portuguesa é muito importante. Sempre foi um polo cultural entre Brasil e Portugal, o espaço que manteve vivas tantas tradições. Foi o lugar onde tantas pessoas simples que são os imigrantes se conheceram, se divertiram.»