* Henrique Mateus

Entrevista a José Mourinho, treinador do Chelsea

P - É legítimo pôr este Chelsea no primeiro patamar de favoritos para a Champions?
R - Pela experiência que tenho, acho que as equipas inglesas não são nunca favoritas a ganhar a Champions. E não é por falta de qualidade, é pelas características do campeonato inglês e pela sua calendarização. Não há jogos antecipados, não há jogos adiados, se tiveres de jogar sábado e terça, jogas, se tiveres de jogar domingo e quarta, jogas. No ano passado joguei para o campeonato no domingo à tarde, e depois para a Taça, com o Arsenal, na terça-feira. Em Inglaterra não há contemplações, o mais importante na organização dos jogos é a situação económica. Quem domina, permite que clubes como o Swansea comprem jogadores por 10 ou 15 milhões e recusem ofertas de 15 e de 20, fazendo deste campeonato aquilo que é. As equipas inglesas têm um problema grande em comparação com as outras: o inverno aqui é só para os bravos sobreviverem. Os alemães vão de férias, os portugueses têm Natal e Ano Novo com um campeonato mais pequeno, os franceses, os espanhóis, os italianos vão de férias, nós jogamos sete jogos em dez dias. Quando começa a verdadeira Champions, que é a Champions a eliminar, as equipas inglesas estão em fase de recuperação da época de Natal.

- Gostava de mudar isso?
- Muita gente considera este calendário um crime, algo de sobre-humano, eu continuo a dizer: «adoro!». Uma das razões pelas quais gosto muito deste campeonato é exatamente por essa mentalidade. E não quero, sou contra, a mudança. Mas as equipas inglesas quando chegam a essa fase da Champions nunca são candidatas. Por isso, quando as equipas inglesas chegam a etapas importantes da Champions, porventura a finais, e quando às vezes as ganham, penso que têm um mérito ainda maior.

- Como se faz essa gestão?
- Eu também me canso. Não corro, mas também jogo e também me canso. E temos um cuidado especial com recuperação, tanto ou mais do que com desenvolvimento e treino. Tenho a sorte de ter a meu lado alguém como o Rui Faria, que é especial. Trabalhamos muito a esse nível, mas tão importante como a recuperação é também a dinâmica mental de cada um, e do grupo, no combate a momentos quase sobre-humanos. Mas jogas num boxing day e olhas para trás e vês o estádio cheio, com muita família, muita criançada que não vai ao futebol nos dias normais e percebes que no fundo os jogadores são artistas que, neste país, são pagos principescamente. E que no fundo as pessoas querem espetáculo e que nós temos de dá-lo, com um sentimento muito especial.

- Como vê a chegada de Van Gaal a Manchester?
- Há uma série de tempo que andava a chatear-lhe a cabeça para treinar em Inglaterra. Dizia-lhe: “vais gostar. Com a tua capacidade de organização, e de pensar os clubes, vais gostar muito”. Sei perfeitamente que ele esteve quase a ir para o Tottenham, tinha tudo acertado. Encontrámo-nos uma vez em Londres, fomos juntos a um jantar da Associação de Jornalistas Desportivos Ingleses e comecei a sentir que ele queria voltar ao futebol de clubes, que a seleção era um espaço que ele já tinha experimentado. Depois numa fase posterior aparece o United, e entre os dois ele não pode hesitar. E ali está, acho que com três ou quatro anos de contrato, e de certeza que as coisas lhe vão correr bem. É um treinador de estabilidade, que consegue bons resultados, e vai conseguir.

- O falhanço de Moyes prova que a sucessão de Ferguson era a mais difícil do futebol mundial?
- Tenho de ser justo com o David, porque não caiu em Manchester de para-quedas. Antes, teve um grande trabalho de quase uma década, fazendo do Everton uma força estável da Premier League, competindo com os grandes clubes e chegando a final de Taça. Mesmo sem ter ganho títulos, foi quase sempre um terror para os grandes jogar em Goodison Park. Chegou a Manchester com todo o mérito, e apanhou um momento que consigo resumir nisto: teve Di María? Teve Falcao? Teve Blind? Teve Van Persie em condições, ou teve-o lesionado seis meses? Houve uma série de fatores que criaram uma situação nada fácil para ele.

- Alguma vez pôs a hipótese de assumir essa sucessão?
- Quanto a treinar o Manchester United, a minha primeira opção foi sempre treinar o Chelsea, e os meus amigos sabiam-no. O Sir Alex, como meu amigo, também o sabia. Tanto, que me deu a honra de saber por ele próprio que iria acabar a carreira, um par de meses antes de ser público, confiando-me talvez a informação mais importante da sua carreira. O meu objetivo, então, foi sempre voltar ao Chelsea, e nesta altura os projetos de futuro são todos no Chelsea. Obviamente que os resultados é que ditam, e se um dia o mister Abramovich decidir que é a minha altura para sair, obviamente que saio. Mas eu tinha decidido voltar há muito tempo, e encontrámos o momento exato para o fazer.