Há exatamente um ano, Renato Sanches ainda era um miúdo da formação do Benfica à espera de uma oportunidade na equipa principal. Ela chegou pouco depois, a 30 de outubro de 2015. E desde então o miúdo foi referência do Benfica tricampeão, transferiu-se para um gigante do futebol mundial, foi campeão da Europa com Portugal e agora, 19 anos feitos há dois meses, ganhou o prémio «Golden Boy», que consagra o melhor jovem da Europa. Fenómeno.

Dificilmente alguém seria capaz de prever tudo isto, mas uma das marcas de Renato, talvez a que o distingue, é a auto-confiança, a parecer quase desplante, que emana, em campo e fora dele. Essa vem de longe e faz a diferença. Uma história bem do início de 2016, no refeitório do Seixal. Recorda-a ao Maisfutebol Sancidino, que acompanhou Renato nos tempos da formação do Benfica e na equipa B. «Falámos sobre como lhe estavam a correr as coisas na equipa principal e ele disse-me: «Vou marcar golo ao Guimarães.» E depois, quando voltámos a encontrar-nos: «O que é que eu te disse?»

Renato marcou a 2 de janeiro o único golo do V. Guimarães-Benfica. Por essa altura já tinha agarrado o lugar no meio-campo de uma equipa que fechava a primeira volta da Liga na terceira posição, a quatro pontos da liderança.

A estreia acontecera dois meses antes, naquele dia 30 de outubro. Uma semana depois da derrota do Benfica no dérbi com o Sporting, o adversário era o Tondela e Rui Vitória estreou dois miúdos. Clésio foi titular, a lateral-direito, Renato Sanches saiu do banco aos 75 minutos do jogo, para render Jonas, num jogo que o Benfica venceu por 4-0.

E se para Clésio esta foi uma história sem futuro, para Renato Sanches seria o princípio de algo raro. E tudo aconteceu num ano.

Renato ainda voltou à equipa B, foi utilizado de novo na equipa principal na ronda seguinte, com o Boavista. Foi a última vez que começou no banco.  A estreia a titular aconteceu no Cazaquistão, numa fase da época em que o Benfica estava limitado por várias baixas e Rui Vitória sob muita pressão. A força, qualidade e dinâmica de Renato ficaram claras logo nesse empate a dois golos com o Astana, num dia em que o Benfica viria a carimbar o apuramento na Champions, depois de o At. Madrid ter batido o Galatasaray nessa quinta jornada da fase de grupos. No fim, Renato foi à «flash» e deu a conhecer o seu jeito descomplicado, a explicar como se sentiu quando soube que ia jogar: «Fiquei ansioso. O coração começou a bater pum pum pum.» 

Estabilizou de vez na equipa principal do Benfica, o sonho que assumiu sempre. «O que ele me dizia quando estava na equipa B era: «Vou chegar à equipa principal do Benfica», conta Sancidino, três anos mais velho que Renato e agora no Arouca, a recordar o miúdo que chegou ao Seixal com 11 anos, contratado por 750 euros ao Águias da Musgueira

O miúdo que não gostava de dormir sozinho no Seixal

«Conheço-o desde que ele jogava nos iniciados. Eu estava sempre no escalão acima. Comecei a reparar nele, a ver que era um bom miúdo, a falar mais com ele», conta Sancidino. «Eu entretanto também saí do Benfica e quando voltei ele já estava na equipa B. Estava diferente. Disse-lhe: «Estás grande puto, com cabedal». E ele disse: «Já não sou o mesmo miúdo que tu conhecias.»

O miúdo que Sancidino conhecia vivia no centro de estágios do Benfica, depois de ter passado os primeiros tempos no clube a fazer o caminho da Musgueira ao Seixal de transportes ou à boleia. «Ele ia para a minha casa, ficava o dia todo, dormia lá. Eu morava sozinho, muitas vezes ficávamos os dois. Ele também não gostava de dormir no centro de estágio, como eu era maior de idade, vinha atrás de mim. Dizia vou dormir na tua casa, não quero ficar, não está lá ninguém. Eu era maior de idade, os treinadores sabiam que ele às vezes ficava comigo.»

 

Parabéns Meu Puto Pela conquista Golden Boy 🙏👏🏼 @renatosanches35

A photo posted by SS20🇵🇹 (@sancidino20official) on

Renato chegou à equipa B do Benfica com 17 anos, uma afirmação gradual ao longo da época 2014/15, que se tornou uma certeza na temporada que se seguiu, antes de dar o salto para a equipa principal. «No ano seguinte na equipa B foi incrível a forma como começou a destacar-se. Destacava-se de forma natural», recorda Sancidino.

Já lá estava tudo. «É um jogador que gosta de se mostrar, que tem de sobressair», define Sancidino. «Com vontade de lutar, sem medo, vontade de recuperar, de transportar jogo.  É o tipo de jogador que queremos ter sempre na equipa, porque faz tudo no campo.»

De recorde em recorde, «sorte e trabalho»

Renato foi figura no Benfica desde a primeira hora. Mas esse protagonismo não pode ter outra face, criar às vezes atritos com outros jogadores, sobretudo numa equipa de muita gente com estatuto? Sancidino acredita que não. «Nunca o pode prejudicar. Ele faz isso na base da humildade. Ele chega e faz desafios com ele próprio. Trabalha na base da equipa, mas consegue sobressair», diz. «Quando foi à equipa principal do Benfica voltou humilde. Nunca tentou passar por cima de nenhum jogador da equipa.»

A vida de Renato seguiu de vento em popa. A transferência para o Bayern Munique, por 35 milhões mais um valor que dependerá de uma série de variáveis, aconteceu ainda antes da última jornada do campeonato e da consagração do Benfica como campeão nacional. E na semana seguinte à festa no Marquês, onde foi também protagonista, entrou nos 23 convocados de Portugal para o Euro 2016, o mais jovem de sempre numa fase final com a Seleção Nacional.

Em França começou a suplente mas ganhou a titularidade a partir dos quartos de final. Até ao fim: o mais jovem campeão da Europa de sempre, o melhor jogador jovem do torneio.

O Bayern Munique viu o potencial de Renato e aproveitou-o também na sua comunicação ao longo do verão, na forma como foi promovendo, muito através das redes sociais, a imagem jovem, ambiciosa e irreverente do seu reforço. Tal como o Benfica fez. A dimensão que Renato ganhou, ele que tem hoje mais de meio milhão de seguidores só no Facebook, faz sorrir quando Sancidino conta que, nos tempos da formação do Benfica, Renato lhe pedia para partilharem fotos nas redes sociais. «Ele dizia-me: «Tira-nos uma foto, mete no teu Instagram.» Se eu subir, se chegar à equipa principal, já não vais precisar de meter. E eu dizia: «Se subires primeiro, vais ter de ser tu a meter por mim.»

Em Munique o arranque da época foi lento para Renato, que começou por estar afastado da equipa do Bayern por lesão e ainda procura afirmar-se em definitivo no onze de Carlo Ancelotti. Mas Renato tem apenas 19 anos, tem muito para crescer, e talvez o processo pareça apenas agora mais lento porque tudo o resto na carreira de Renato foi alucinantemente rápido.

A adaptação a um novo clube e a um novo país está a correr bem, acredita Sancidino. «Estivemos juntos há duas semanas, quando ele veio à Seleção. Diz que está a correr bem, que o treinador do Bayern gosta dele, que o país é porreiro», conta. «Anda a aprender alemão, tem uma professora que lhe dá as aulas. Está a aprender aquelas coisas mais simples. O que ele me diz é que os colegas brasileiros lhe traduzem o que o treinador diz.»

Adaptação não é problema para Renato, acredita Sancidino: «Ele é uma pessoa que está muito à vontade, não tem problemas, dá-se com toda a gente. Ele dá-se com todos. Conseguiu chegar lá e adaptar-se em pouco tempo. Está a morar sozinho e às vezes vão lá amigos dele portugueses, amigos do bairro. Eu ainda não pude, porque também tenho o meu trabalho.»

O próprio Renato partilhou uma dessas visitas nas redes sociais.

 

Aquela boa visita dos amigos ❤️✌🏽️

A photo posted by RS35 OFICIAL (@renatosanches35) on

Renato continua a viver algo com que a esmagadora maioria dos jogadores apenas sonha. Sancidino: «Não acontece para todos, só para alguns. No caso do Renato é sorte misturada com trabalho.» Uma conjugação de muitos fatores que se alinharam de uma forma e a uma velocidade poucas vezes vistas.