Cristiano Ronaldo conquistou, no último mês de janeiro, a terceira «Bola de Ouro» da carreira, feito apenas ao alcance de predestinados como Cruyff, Platini, Van Basten e o contemporâneo Lionel Messi.
 
Olhando-se de forma nua e crua para a marca alcançada pelo internacional português percebe-se que, independentemente do que venha a acontecer no futuro, Cristiano Ronaldo tem entrada direta para a galeria dos imortais do futebol mundial, figurando, seguramente, em lugar de destaque ao lado de Eusébio, Pelé ou Maradona. 
 
Atualmente no topo do Mundo, Ronaldo olha para trás e soma uma quantidade enorme de desafios superados que terminaram em conquistas assinaláveis. Umas mais mediáticas do que outras, mas todas com ligação direta ao sucesso.
 
O início de tudo
 
No 30.º aniversário do capitão da seleção portuguesa, o Maisfutebol foi à raiz das suas origens e descobriu o treinador que promoveu a iniciação de CR7 no futebol federado, o primeiro capítulo de uma vida que o coroaria como o melhor jogador do Mundo.
 
«O Cristiano Ronaldo começou a treinar no Andorinha através do primo que já estava connosco. Lembro-me que treinávamos ao sábado de manhã, num campo de andebol alcatroado que pertencia a uma escola. Foi assim que ele entrou», sublinhou Francisco Afonso, professor primário, na altura treinador dos escalões de iniciação do clube do Funchal.
 
As condições de trabalho estavam longe de ser as que hoje existem na Madeira, em que os clubes têm ao seu dispor campos de relva sintética em que podem trabalhar mais assertivamente. Era o que havia e Ronaldo estava bem habituado aquela realidade.
 
«O que ele encontrou no Andorinha era, de certa forma, o que o havia no seu bairro onde costuma andar sempre a jogar à bola. Perto de casa havia um ringue onde passava grande parte do dia a jogar com os mais velhos. Penso que a dificuldade de competir com os mais velhos serviu para ele ser ainda mais determinado e não ter medo de arriscar», vincou.
 

Ronaldo no Andorinha: é o oitavo (a contar da esquerda) na fila de cima
 
Foi este o grau um da carreira de CR7. Num clube modesto, que estava longe de ambicionar lutar por títulos e que tinha, no seu ADN, a aposta na formação e a «exportação» dos seus melhores valores para os grandes da ilha (Marítimo, Nacional e União). Ter de lidar com este tipo de limitações acaba, na opinião de Francisco Afonso, por ser um espécie de bálsamo que espicaça a vontade de triunfar.
 
«Começando num clube pequeno, com todo este tipo de limitações, acaba por ser importante aquando da mudança para um clube de maior dimensão. Dá-se o valor a todo o tipo de melhorias que se encontra e mantém-se aquele espírito guerreiro que se adquiriu nas dificuldades. Ter iniciado a sua carreira num clube pequeno deu-lhe ainda mais vontade de ganhar», analisou o técnico que não esconde o orgulho por ter ouvido CR7 falar no seu nome.
 
«Recentemente ouvi-o dizer que foi de mim que recebeu as primeiras dicas no futebol. O mérito é todo dele, mas é, de fato, um orgulho enorme ter participado, ainda que minimamente, na história do melhor do Mundo», finalizou.
 
Mudança para a Choupana
 

Em 1993 Cristiano Ronaldo dá o primeiro salto na carreira, importante para quem joga num meio pequeno como a Ilha da Madeira, onde ser cobiçado pelos «grandes» significa fazer parte da elite, ser melhor do que os outros.
 
A mudança para o Nacional exigia mais de Ronaldo desportivamente, mas, também, do ponto de vista social, já que o obrigava a enquadrar-se num novo grupo totalmente desconhecido.
 
«Eu e o Cristiano éramos os mais novos da equipa de infantis porque ainda tínhamos idade de benjamins. Quando chegou não dava muita confiança. Começou tímido, de olhar fechado, concentrado em conquistar o seu espaço. Olhando para trás acredito que ele tinha a noção da oportunidade que lhe estava a ser dada e levava tudo muito a sério. Mas passado pouco tempo já participava nas brincadeiras de balneário e estava sempre pronto para fazer partidas», contou Bruno Alves, com quem Ronaldo partilhou o balneário no primeiro ano na Choupana.
 

Cristiano no Nacional: é o quinto da fila de cima (Bruno Alves é o oitavo, em baixo)
 
Chegou e agarrou desde logo um lugar na equipa. Nem as diferenças culturais que o separavam da maior parte dos elementos do plantel o impediram de ter entrada direta ao onze, mesmo que o bilhete de identidade dissesse que devia estar no escalão inferior.
 
«Habitualmente jogava como médio centro e evidenciava-se pelo poder de drible, capacidade de último passe e intensidade que colocava em jogo. Mesmo nos treinos sempre foi empenhado, com muita vontade de ganhar. Por exemplo, levava os exercícios de finalização muito a sério e queria sempre marcar golo. Por isso quando leio que é sempre dos últimos a sair do treino acredito perfeitamente, porque antes já era assim», confirma o antigo companheiro, de 29 anos, atualmente no ensino superior a preparar-se para seguir uma carreira de treinador.
 
Bruno Alves fez todo o seu percurso de formação no clube da Choupana tendo, inclusivamente, sido chamado para trabalhar com o plantel sénior em diversas ocasiões. Olhando para trás a esta distância lembra-se de conversar com o agora craque do Real antes do primeiro jogo grande de Ronaldo no Nacional.
 
«Não se pode dizer que nos infantis nos deixemos contagiar pela pressão de ter de ganhar. Isso sente-se mais nos jogos entre Nacional, Marítimo e União em que os campos enchiam. Sentia-se sempre um pouco de forma diferente esses jogos, mas o Ronaldo era competitivo e encarava todos os jogos da mesma maneira. Odiava perder», reforça.
 
O primeiro título e os conselhos do pai
 

A vontade de melhorar fazia com que Ronaldo aceitasse, quase sempre, os conselhos de quem lhe queria indicar o caminho a seguir. Fosse dos colegas, treinador ou, especialmente, do pai, Dinis Aveiro.
 
 «O senhor Dinis acompanhava os jogos sempre que podia, fosse onde fosse. A relação entre eles era engraçada porque chegavam a dialogar durante o jogo. O pai era exigente com ele, porque lhe reconhecia qualidade e puxava por ele. Não queria que se distraísse do jogo», recorda, reforçando a ligação próxima entre pai e filho.
 
Ronaldo fazia cada vez mais a diferença. A equipa estava mais preparada e acabou por conquistar o título de campeã regional, o único de CR7 na sua terra-natal. Pelo meio há, ainda assim, um episódio que Bruno Alves recorda com especial atenção.
 
«Um dos jogos decisivos para o título foi a recepção ao Câmara de Lobos [muito boa equipa] em que fomos para o intervalo a perder 2-0. Chegamos às cabines frustrados e foi uma choradeira de raiva pelo que estávamos a deixar escapar. O treinador nem deu palestra ao intervalo, só nos tentou acalmar. Virámos para 3-2 na segunda parte, naquilo que ainda hoje considera uma prova de força no balneário. A partir daí ficámos com o caminho aberto para o título», revive, antes de se debruçar sobre o momento da consagração em que foram entregues as faixas.
 
«Foi um dia muito importante para o clube. Foi uma grande festa e há uma imagem que não consigo tirar da cabeça: mal acabou o jogo decisivo [vitória 3-0 com o Camacha] o Ronaldo estava um verdadeiro chorão», sintetiza.
 
O Sporting e o estilo «à Cantona»

 
Ao longo da época, Ronaldo ia assumindo, cada vez mais, as rédeas da equipa, ao ponto de várias equipas se interessarem pelo miúdo que nascera no Bairro de Santo António, curiosamente perto do campo de treinos do principal rival dos alvinegros.
 
Foi ainda durante a época que Ronaldo chamou a atenção dos olheiros do Sporting que o levaram a Lisboa para prestar provas. De regresso, contou tudo aos colegas, mesmo que o verde e branco não fossem as suas cores de eleição.
 
«A primeira vez que ele falou sobre a mudança para o Sporting foi na concentração para um jogo. Disse que já tinha ido a Lisboa e até mostrou a camisola que o Sporting lhe tinha oferecido. Apesar de não ser o clube de infância, ele encarava aquela oportunidade como um meio para atingir o sonho e estava radiante», confessa Bruno Alves.
 
O antigo companheiro de Ronaldo nas camadas jovens do Nacional recorda, ainda, algumas das referências de infância de Cristiano e lembra-se da admiração por Cantona, antigo craque do Manchester United.
 
 «Acho que ele imitava a postura do Éric Cantona. Jogava com a gola da camisola levantada porque tinha o visto fazer algo de semelhante numa publicidade a uma marca desportiva. Nós brincávamos com ele por causa disso», remata sem esconder o orgulho que sente por ver o antigo companheiro no trono do Mundo.