* e Henrique Mateus 

 
Entrevista a José Mourinho, treinador do Chelsea    

P - Já disse em várias ocasiões que o seu adjunto está pronto para ser um grande treinador principal. Qual é o papel de Rui Faria no seu percurso?
R - É um treinador, como eu. Algumas vezes as pessoas podem questionar por que razão um treinador tão talentoso não vai embora. Eu acho que é porque ele se sente treinador. Ao trabalhar comigo há tantos anos está preparado para isso? Claro que está, mais preparado do que qualquer um. Mas sente-se treinador, é treinador de corpo inteiro, planifica, treina, discute, decide. É feliz, e ganha mais do que a maior parte dos treinadores.

- E fazendo a pergunta ao contrário: Mourinho está preparado para trabalhar sem Rui Faria?
- Claro! Obviamente que quando isso acontecer, dói. Mas dói principalmente pelo companheiro de trajeto. Ele e o Silvino são aqueles que me acompanham há mais anos. É um grande amigo, um companheiro de viagem na minha vida profissional.

- Há seis treinadores portugueses nesta edição da Liga dos Campeões. Vê algum significado nisso, ou é conjuntural?
- Agradável, é de certeza. Até podiam ser sete, se o FC Porto tivesse também um português. Acho que o ponto principal para que haja vários treinadores portugueses na Champions é que as três equipas portuguesas continuem a qualificar-se ciclicamente. A juntar a mais um ou outro que esteja fora, já temos um grupinho considerável.

- Como é a sua relação com os outros treinadores? Como é que ela se manifesta, por exemplo, nestas reuniões anuais de treinadores de elite promovidas pela UEFA?
- É normal. Se me perguntares se tenho amigos treinadores, tenho. E “amigos” é uma palavra com algum significado. Posso dizer que sou amigo do Peseiro, por exemplo. Conhecemo-nos desde os 18, 19 anos, estudámos juntos, «vivemos» no mesmo espaço universitário durante quatro ou cinco anos, mantivemos contacto. Se me perguntas se sou amigo de um treinador que encontro duas vezes por ano, que cumprimento antes e depois do jogo, e que volto a encontrar numa reunião da UEFA, é mais difícil falar em amizade. Mas não é só o Peseiro, obviamente que tenho mais amigos. E agora começa a haver treinadores que foram meus jogadores, e nesse caso crias um determinado tipo de empatia que não perdes depois. Por isso sim, tenho amigos treinadores, mas são poucos.

- José Mourinho numa sala onde está Arsène Wenger, ou Pep Guardiola, ou outro treinador com quem tenha havido bate-boca antes dos jogos. Como é a vossa relação nesse momento?
- Cumprimentamo-nos, trocamos palavras de circunstância, nenhum tipo de problema. Não há gente mal-educada, não há gente que vá à procura de conflitos. A maior parte deles, para ter atingido aquele nível, é gente inteligente. Mas repara: dá-se o nome àquelas reuniões, de reuniões de treinadores de elite. É mentira. São reuniões de clubes de elite. Depois, vão lá treinadores, e alguns são de elite e outros não. Mas todos treinam clubes de elite. É uma diferença grande: tu chegas ali e vês os currículos, e há gente que ganhou duas Champions, ou três, ou uma, e três campeonatos, ou cinco campeonatos. E há os outros, que praticamente ninguém conhece, mas vão em representação de clubes importantes.

- É por isso que nem sempre comparece nesses encontros?
- São reuniões com poucas implicações. Lembro-me por exemplo de uma das primeiras, há muitos, muitos anos, em que se comentou não ser admissível jogar competições com a bola da equipa da casa. Obviamente, com a evolução dos tempos, chegou-se a uma altura em que se passou a jogar com a bola da Champions, com um patrocinador. A UEFA fez mais dinheiro e os clubes gostaram mais. Mas as decisões maiores que se pedem têm de ir ao International Board, que não nos pode dar resposta, e têm de ir ao conselho consultivo da UEFA, não nos podem dar resposta. Nesses encontros há uma série de ideias – muitas - mas depois, conclusões, não tantas.

- O conhecimento específico da profissão de treinador é hoje muito mais difundido do que há 14 anos, quando começou. Com toda a informação que circula, sente que o seu lugar na vanguarda está em causa?
- Não. Hoje o conhecimento é de todos, de forma muito mais fácil do que há uns anos. Mas a capacidade de produzir conhecimento é só de alguns. E há uma diferença enorme na profissão entre aqueles que utilizam o conhecimento e aqueles que o produziram e continuam a produzir. São muitos os que o utilizam, poucos os que o produzem.

- Qualidade de treino, plano de jogo, comunicação e gestão de grupo. Concorda que são os quatro eixos para o trabalho de um treinador?
- … e sorte!

- E qual o mais importante?
- A sorte! (risos)