Um campeonato sub-23 para dar mais espaço aos jovens numa fase crucial das suas carreiras. A ideia passou já para a fase de discussão entre a Federação e os clubes e a partir desta semana começam reuniões em torno de questões mais específicas. A decisão de avançar ou não já na próxima época será tomada no final de abril, dependendo do número de clubes dispostos a participar.

O projeto tem várias implicações, nomeadamente no que diz respeito às equipas B. A ideia de base não pretende que um modelo substitua o outro, mas a própria Liga de clubes já tinha na agenda um debate sobre o futuro das equipas B na II Liga e aguarda agora para reavaliar o modelo.

Reativadas em 2012/13, as equipas B foram precisamente um espaço adicional para potenciar jogadores que ainda não estavam na órbita da equipa principal. Mas mesmo na II Liga o peso de utilização de jogadores portugueses tem vindo a diminuir, como evidenciou o estudo do Sindicato dos jogadores relativo à primeira volta dos campeonatos profissionais. Na Liga já há muito que os estrangeiros são maioritários, na II Liga não mas estão a ganhar peso.

Existe também por parte de muitos clubes a necessidade de ter um segundo espaço para os jogadores. Há mais de trinta equipas B ou satélite no futebol português, e apenas cinco têm nesta altura lugar na II Liga: foram seis inicialmente. As outras formações B estão a jogar em campeonatos secundários.

Silas, treinador do Belenenses, foi o único técnico presente no encontro que a Federação promoveu com os clubes da Liga.  E aponta precisamente essa questão da falta de espaço e de competição adequada para as segundas equipas dos clubes. «Temos imensas equipas em Portugal que querem ter equipas B, no Porto há uma situação em que a maior parte das equipas já têm, Aves, Paços de Ferreira, mas estão a competir abaixo do Campeonato de Portugal. Isso não traz o nível competitivo de que estes jogadores precisam», diz Silas em conversa com o Maisfutebol, ele que admite que o Belenenses está disposto a aderir ao projeto do campeonato sub-23: «Seguramente. Eu até fui contratado originalmente para treinar a equipa B, o Belenenses já andava a pensar nesta questão.»

O modelo assumido como referência pela Federação é o de Inglaterra: a Premier League 2, que passou este ano a ter como teto o escalão sub-23 (era sub-21 até agora), e tem duas divisões, com 12 equipas cada uma.

Há muito que o futebol inglês tem esse modelo de campeonato alternativo, lembra Silas, recordando que já o viveu em 2003/04, quando jogou no Wolverhampton: «A ideia geral é muito boa. E já vem com algum atraso. Eu por exemplo já joguei uma competição muito semelhante em Inglaterra, em 2003. Um campeonato também de jogadores menos utilizados. Era muito bom.»

Inglaterra é aliás nesta altura o único país das grandes Ligas europeias que tem uma competição com estas características. Itália tem o Campeonato Primavera, que também tem duas divisões mas é focado em jogadores até aos sub-19, abrindo algumas exceções a futebolistas com mais idade.

O projeto da Federação para o campeonato sub-23 também admite a utilização de três jogadores acima dos 23 anos, mas em plantéis com maioria de jogadores nacionais. A ideia é que sejam dois terços de jogadores formados localmente, como definido pela UEFA.

Esse é um dos pontos positivos apontados por Silas, que no entanto chama a atenção para a necessidade de olhar para os modelos competitivos de forma mais global. «É uma ideia que tem de ser limada, mas acho que é uma iniciativa muito boa. Precisamos de ter uma competição com nível competitivo forte. A intenção de ter pelo menos três jogadores com mais de 23 anos, para dar também alguma experiência, parece-me uma ideia muito boa. Há ali uma ou outra coisa que acho que pode ser melhorada, mas houve abertura para isso», nota.

O treinador defende que o melhor enquadramente para os jovens é um campeonato em que a competição possa ser equilibrada, o que não acontece necessariamente na II Liga: «No outro dia assisti ao vivo ao Benfica B com o Cova da Piedade. Tem ali miúdos de 17, 18 anos, que estão a competir com jogadores muito mais fortes e experientes. Esta é uma competição mais adequada a este tipo de jogadores. Seguramente que vamos ter no futuro melhores jogadores, melhores seleções.»

«O modelo tem de ser muito bem estudado, seja a primeira seja a segunda divisão. Qualquer um deles pode ser melhorado», prossegue Silas, alargando a discussão para o resto da pirâmidade do futebol português. «Acho que também o modelo do Campeonato de Portugal e da II Liga têm de ser melhorados. Não podemos pensar apenas na Liga, temos de pensar nas ligas secundárias.»

O treinador aponta uma questão de falta de competitividade com o desenrolar dos campeonatos e sugere um modelo à semelhança do espanhol, onde existem na reta final do campeonato play-offs de subida. «Devia haver a partir de fevereiro, março, modelos competitivos atraentes. Ao subirem só duas equipas, haverá muitas equipas que a certa altura já não têm objetivos. Adultera um bocado a competição. No Campeonato de Portugal, no modelo atual, ainda mais. Não me parece que sejam modelos muito competitivos», diz Silas: «Foi muito olhado o modelo inglês, pode-se olhar também para o modelo espanhol da II Liga e II B. São também campeonatos capazes de chamar investidores para o futebol. Poder envolver até ao quinto ou sexto na luta pela subida poderá tornar o campeonato mais competitivo.»

Equipas B e limitação de plantéis, questões a debater

Há várias outras questões ainda a debater, nomeadamente a possibilidade de um novo campeonato poder aumentar ainda mais os jogadores sob contrato com um clube. Uma questão que se colocará sobretudo no que diz respeito aos chamados «grandes» e que entronca num problema já diagnosticado pela FIFA, que debate a limitação do número de jogadores nos plantéis, precisamente para evitar esse «açambarcamento» dos clubes com mais meios.

Silas defende, por exemplo, que um modelo de campeonato sub-23 não deveria acumular com equipas B na II Liga, precisamente por isso: «Estamos a falar de uma equipa que pode ter 90 opções. São muitos jogadores e naturalmente que as equipas mais fortes açambarcam esses jogadores. Para mim o que faz mais sentido é haver equipas sub-23 e não na II Liga.»

Há várias abordagens possíveis ao assunto, mesmo num cenário de limitação do número de jogadores em cada clube ter e que podem estar estabelecidas nos regulamentos, nomeadamente a possibilidade de um jogador que não for utilizado nos sub-23 poder jogar ainda nesse fim de semana por outra equipa do clube.

O projeto da Federação, que se propõe assumir a implantação do modelo de comercialização e também assumir algumas das despesas inerentes aos jogos, aponta para que os encontros do campeonato sub-23 se realizem ao sábado de manhã e que tenham transmissão televisiva na sua maioria, mesmo que não necessariamente nos suportes tradicionais. Eventualmente, por exemplo, através de meios próprios dos clubes, como já acontece em alguns casos.

A Federação pretende também associar ao campeonato sub-23 uma prova internacional, também como acontece em Inglaterra com a Premier League International Cup. 

Muitos dados sobre a mesa, para uma discussão que terá de ter uma conclusão em breve.