É verdade, se não vai a Paris, fala francês como os autóctones ou simplesmente não tiver interesse algum no tema, este texto não é para si. Se pertence à larga maioria que percebe a ironia destas palavras ou então só quer passar um bom bocado, aqui ou na Gália, aproveite o que lhe deixamos. Até pode ser, com um pouco de chance, que encontre companhia num bar e sinta aquele impulso de meter conversa. Nunca se sabe. Pelo caminho, pedimos desculpa ao Nuno Markl por nos apropriarmos do conceito, mas não encontrámos nada melhor em tão pouco tempo até ao PSG-Benfica, o denominador comum a tudo isto. Ou talvez não.

Um ponto prévio: Paris é uma cidade romântica, com tanta luz. Todos os monumentos estão espetacularmente iluminados. Não é à toa que lhe chamam, precisamente, cidade-luz, embora, na verdade, não seja essa a razão. A cidade-luz atraiu sim, ao longo da sua existência, as mentes mais luminosas das artes. E é assim que cai o primeiro mito urbano. Há tantos mais. Por exemplo, se ouvir alguém gritar «La Vache!» não se atire para o outro lado da estrada, é apenas uma expressão de surpresa ou espanto. E esqueça o «Sacre bleu», essa era do Poirot, e ele era belga, monsieur!

Porque falámos em bares e desbloqueadores de conversas, e admitindo que as coisas possam começar a correr bem, há uma expressão que não deve dizer de ânimo leve (ou pelo menos muito alto). É que os portugueses têm a mania de aportuguesar as línguas e pode correr muito mal. Meta na sua cabeça que «baise moi» tem tanto a ver com «dá-me um beijo» quanto «embrace moi» com abraça-me: absolutamente nada! Na verdade, beija-me diz-se «embrace-moi» e, quanto ao significado da primeira expressão, antes de ir faça uma pesquisa no google. Até vai encontrar referências a um filme com esse nome. Nós, por enquanto, continuamos a ser um site para todas as idades.

Sim, OK; está a correr bem, a rapariga é
coquette, uma femme fatale ou tem um je ne sais quoi difícil de explicar e a coisa fica mais íntima. Dizem que os franceses têm a patente daquele beijo a que os portugueses deram o nome de peixe, e eles conhecem-no como baiser amoureux, um beijo de amante, ou un baiser avec la langue. Bastante descritivo, não acham? O ato de beijar assim é conhecido por galocher. Vamos supor agora que já entendeu o raciocínio e está perfeitamente à vontade com expressões como lingerie, e se ela tiver uma amiga, como ménage a trois? Nunca lhe diga «Adieu» se não ela pensa que não a vai voltar a ver, embora seja provável porque o Benfica vai regressar a Lisboa daí a umas horas. Au revoir é bem melhor. Pode sempre cantar-lhe o «Je ne regrette rien» da Piaf e, antes de voltar, vá deixar-lhe uma coroa de flores ao cemitério Père Lachaise como agradecimento pelo seu legado.

Se for casado tem à sua frente um sério problema, mas nós aqui não julgamos ninguém, só futebolistas, treinadores e dirigentes. Ocasionalmente adeptos. Não se esqueça: nunca esteve no Moulin Rouge, até porque já fechou, é só atração turística (não é desculpa) e diga à esposa que é impressão dela, não está nada a cherchez la femme, mas sim a agir naturalmente porque nada tem a esconder. E, zut alors! («raios!»), decore isto: cinq à sept não é uma lavandaria, mas a insinuação de um affair, jogando com a expressão que representa o período das cinco às sete da tarde, altura em que as pessoas saem do trabalho e se encontram com amigos antes de ir para casa. Se não for convincente, c'est la vie! Esperemos que pelo menos o Benfica tenha feito um bom resultado.

Para que nos entendamos, acabemos com outro mito. Belle Époque denomina a explosão da cultura cosmopolita entre o fim do século XIX e a primeira guerra mundial, e não os tempos áureos do PSG. Brincadeira! Montparnasse e Monmartre são bairros e colinas de Paris, respetivamente locais de convívio de intelectuais e de artistas, e não ex-jogadores. E se quiser meter conversa com um adepto do PSG que lhe pareça simpático, e já usou a deixa do clima, pode sempre disparar um super-culto «E as margens parisienses do Sena, hein?» É que são Património Mundial para a UNESCO desde 1991. O Arco do Triunfo foi encomendado por Napoleão, que, por sua vez, foi nomeado imperador na catedral de Notre-Dame, e o Louvre tem a Mona Lisa, entre milhares de outras coisas. Já Georges Pompidou foi o sucessor de De Gaulle e deu o seu nome ao Museu de Arte Moderna. Paris tem mais de 30 pontes sobre o Sena, coisa pouca, e atrai cerca de 30 milhões de visitantes por ano. A sua área urbana alberga quase 12 milhões de habitantes. Deve o seu nome aos parísios, um povo que habitava a área antes dos romanos. A vila foi cristianizada por Saint Denis, que hoje dá o nome a uma comuna na Île-de-France, onde foi erguido o Stade de France, o Estádio Nacional, onde jogam
Les Bleus. La Défense não é nenhum ministério, embora Paris esteja a construir o seu próprio Pentágono, mas o maior centro financeiro da Europa, com mais de 1500 empresas.

Se levou a família consigo, esqueça a primeira metade deste texto. Corra para a Marne-la-Vallée, onde está a Disneyland, agora que a publicidade tenta convencer-nos a toda a hora com novos descontos. Visite a Torre Eiffel uma vez que até esteve para ser desmantelada vinte anos depois de ser erguida, e nunca se sabe quando podem mudar de ideias. Salvou-a uma antena de rádio, nos últimos 20 metros, que lhe deu utilidade.

Quando chegar a hora do jogo, já sabe que pode correr bem ou mal.Vai estar no belo
mise en scène do Parque dos Príncipes e deve sentir-se como um membro da realeza pelo espetáculo que vai ver. Estamos todos a fazer figas para que a partida seja crème de la crème e, porque falámos no dito, saiba que na cidade-luz também encontra, como cá, um crème-brûlée (leite creme), e muito mais, como croissants, éclaires, palmiers e outros doces do dernier cri («último grito») da pastelaria francesa.. Dejà vu, não acha? Voltemos ao tète-a-tète, esperando que o Benfica, um habitué destas andanças, consiga o verdadeiro tour de force que seria derrotar o rival milionário no seu estádio. Pode ser que os parisienses estejam numa de Laissez-faire, laissez passer. E que os portugueses, com o seu savoir-faire e com o seu repertoire possam chegar ao fim de dizer touché. É preciso sang-froid, mas seria um verdadeiro coup de maître! Que não haja gaffes ou motivos de force majeure para nenhuma desilusão

Que os jornalistas do «L'Équipe» não usem a palavra manqué quando analisarem o Benfica, e que os adeptos portugueses se afastem dos provocateurs franceses, que têm as suas próprias questões fraticidas e estão sempre prontos para uma mêlée. Como eles dizem, é Laisser pisser le mérinos, que numa tradução mais livre é mais ou menos «Deixar andar». Eu bem vos disse que este texto era avant la lettre e despeço-me com mais dois esclarecimentos, que podem ser muito importantes para a vossa sobrevivência durante a estada em Paris. Peigner le girafe é simplesmente fazer algo de inútil - provavelmente, muitos de vocês ficaram a achar que este texto foi uma pura perda de tempo, e podê-lo dizer abertamente também é «culpa» do Liberté, Egalité, Fraternité que chegou com a Revolução Francesa -, enquanto sans-culottes não é bem aquilo que devem estar a pensar, é apenas o nome que o povo deu a si próprio para se distinguir da Nobreza, que usava os calções ( culottes) até aos joelhos.

Est-ce clair? On y va!

PS. Este texto foi escrito do ponto de vista do adepto masculino apenas para facilitar a leitura e a compreensão, mas é facilmente aplicável ao sexo oposto. No entanto, para ela, podemos acrescentar que embora Paris seja apreciadora da haute couture, com o tempo que se anda a pôr o melhor é optar por algo prêt-a-porter. E não se esqueça: depois diga-nos se ça marche ou... nem por isso.