Março de 1966. Faltavam menos de quatro meses para o Mundial que haveria de consagrar Eusébio quando os jornais lançaram a notícia que abalou o futebol: a taça tinha sido roubada. A Taça Jules Rimet, que deveria ficar para sempre com a primeira selecção a ganhar três Campeonatos do Mundo, fora roubada.

Inglaterra acordou em sobressalto e durante uma semana virou o país do avesso. Ao sétimo dia encontrou o troféu. Atrás de um arbusto, num jardim de Londres. Nome do herói: Pickles. A descoberta mudou para sempre a vida de David Corbertt, o dono que recebeu o cão rafeiro do irmão que não tinha tempo para animais.

«Meu Deus, é a Taça do Mundo», exclamou Corbertt quando olhou para o troféu. «Fui a correr para casa contar à minha mulher, mas ela não percebia nada de futebol e não ligou nenhuma.» O homem descobrira o tesouro mais procurado na última semana e a mulher não queria saber. «Fiz a única coisa que podia fazer, fui à polícia.»

Na esquadra local recebeu a resposta mais improvável. «Soltaram uma gargalhada», conta. «Disseram-me que não parecia nada a Taça do Mundo.» Corbertt conta que o troféu é mais pequeno do que as pessoas imaginam, mas é pesado. «Chamaram um detective, que inspeccionou o troféu e comprovou que era verdadeiro.»

A partir daí foi o caos, revela. «Veio a Scotland Yard, que me levou para as instalações deles. Fui considerado principal suspeito e interrogado até às duas da manhã. Fizeram-me as perguntas mais parvas: quem eram os meus pais, que faziam os meus irmãos, onde moravam os meus tios. Arrependi-me de ter entregado o troféu.»

Um ladrão por descobrir...

Rapidamente foi libertado. O ladrão, esse, nunca foi descoberto. Edward Betchley chegou a ser acusado do crime, mas acabou por ser libertado por falta de provas. Entretanto morreu. A família jura que a verdade foi para a campa com ele. «Nenhum jornal tem dinheiro que valha a história», disse o genro à imprensa inglesa.

«Um dos investigadores da Scotland Yard disse-me que tinham uma testemunha que garantia ter visto Betchley na zona onde o Pickles encontrou a taça. Não sei se é verdade ou não. O que sei, porque vi, é que o homem foi sujeito a uma pressão quase desumana pela Scotland Yard», conta Corbertt ao Maisfutebol.

... a festa no hotel dos campeões mundiais...

Enigmas policiais à parte, a vida do carteiro de 26 anos do sul de Londres virou do avesso após a descoberta da taça. Sempre arrastado na euforia em torno de Pickles, Corbertt enriqueceu, correu vários países e brilhou nas luzes da ribalta. Até foi convidado para a festa da selecção inglesa após a vitória no Mundial.

«Entrei no hotel onde os jogadores festejavam com o cão debaixo do braço. Quando cheguei, o Bobby Charlton, o Bobby Moore, enfim, todos eles fizeram uma enorme festa ao Pickles». O dono só tem um lamento: «Ele foi muito bem tratado por toda a gente, mas eu tive de jantar no andar de baixo com as mulheres dos jogadores.»

... a réplica e o roubo para sempre

Antes disso, em Wembley, a Taça Jules Rimet descoberta por Pickles tinha estado no centro mediático apenas o tempo de um fósforo. Prevenida pelo roubo, a Federação Inglesa mandou fazer uma réplica. Bobby Moore recebeu a verdadeira das mãos da rainha, mas muito discretamente um polícia trocou-a no meio da festa.

Inglaterra não queria correr novamente o risco de ver a taça roubada. Esse ónus cabe ao Brasil: em 1983 corou de vergonha quando soube que a verdadeira taça foi roubada de uma exposição na Confederação Brasileira, para nunca mais ser descoberta. Muito provavelmente foi derretida para aproveitar o ouro. Sobra uma réplica.