«Acredito que se eu fosse branco teria sido capitão de Inglaterra por mais de dez anos. É tão simples quanto isso.» Sol Campbell disse-o de forma clara. E pretendeu que fosse simples de entender o que está em causa. Mas a questão não está a ter nada de simples para o futebol inglês.

As acusações do antigo internacional são de um teor muito grave, pois apontam motivações racistas em decisões que envolvem a responsabilidade da federação inglesa (FA) em última instância. Sol Campbell disse-o numa biografia autorizada, cuja pré-publicação foi feita neste domingo pelo Sunday Tmes. A bomba que caiu no coração do futebol inglês começou a explodir no fim de semana, mas ficaram mais rebentamentos marcados para uma reportagem do Channel 4, onde outros jogadores se queixam de racismo em todo o futebol inglês.

O canal britânico revelou o conteúdo de uma reportagem desta segunda-feira onde vários depoimentos e comportamentos registados descrevem manifestações racistas, homofóbicas, anti-semitas e anti-islâmicas. Em «Infiltrado: ódio nas bancadas», o repórter Morland Sanders mostra também a resposta que as autoridades – desportivas e policiais – dão às situações.

Homofobia persiste

A reportagem do Channel 4 partiu da declaração de 2013 de que o ministério público britânico com o apoio da FA se propunha travar «todas as formas de abuso no futebol, seja nas bancadas ou nos ecrãs de computador». As autoridades policiais declararam como resposta que as «ofensas criminais que sejam mostradas» serão investigadas prometendo ações contra ofensores. As autoridades desportivas garantem «continuar a trabalhar com a Polícia para impedir que o futebol continue a ser usado por aqueles cujos pontos de vista são completamente inaceitáveis».

Além de apontar para a vista grossa de polícias e de «stewards» quando confrontados com estas situações de intolerância e discriminação nos jogos, a reportagem do Channel 4 relata os «casos de incidentes homofóbicos» nos jogos do Brighton & Hove Albion. Estes incidentes ganham especial destaque porque colocam em causa o papel das autoridades, pois as queixas dos adeptos do clube da cidade considerada a capital gay de Inglaterra datam de há muito tempo. Como a BBC também já mostrou:



Também Sol Campbell se envolveu na questão da homofobia: «Como não me viam a sair para fora de discotecas aos tombos ou a andar becos com várias raparigas todas as semanas pensavam que se passava algo de errado comigo. No fim de contas, sou um futebolista.» Mas as acusações mais duras do defesa 79 vezes internacional pela Inglaterra versam o racismo, como se começou por dizer, que não é passível de ser filmado em reportagem.

«Penso que a federação desejava que eu fosse branco. Eu tinha a credibilidade, tinha o conhecimento de causa, para ser capitão», referiu o antigo jogador do Tottenham e do Arsenal apontando para uma mentalidade que está enraizada: «Não creio que vá alterar-se, pois eles não o querem, e provavelmente a maioria dos adeptos também não.» «Eu perguntei-me tantas vezes por que não era [nomeado capitão]. Continuei a dar a mesma resposta, era a cor da minha pele», acrescenta Campbell.

Os comportamentos racistas tidos no futebol porque enraizados nas pessoas estão também presentes no depoimento de Jason Roberts na reportagem já citada. «Ouvi [palavras racistas] aos domingos enquanto rapaz novo, ouvi-as em jogos não oficiais, na Division 2, na Division 1, no Championship, na Premier League. Ouvi-as na rua, dos colegas de equipa, dos «managers», dos treinadores, ouvi-as das multidões», diz o futebolista londrino que jogou entre 1997 e 2014 em vários emblemas como o Wigan ou o Blackburn Rovers.

Até às redes sociais

A lista de incidentes racistas passa também pelos insultos e discriminação anti-semita – que em setembro e outubro foi relatada a propósito dos adeptos do Chelsea contra os do Tottenham ou destes a responderem aos do West Ham. Ou por insultos anti-Islão de que são alvos os adeptos do Leicester sendo apelidados de «bombistas talibã».

Jason Roberts é testemunha também da discriminação e das ofensas que são veiculadas nas redes sociais e conta que é agredido com expressões no Twitter como «preto isto, preto aquilo, escravatura», e outras manifestações que «não acreditava» que alguém pudesse ter. Sol Campbell não tem sido insultado nesta rede social, mas a quase unanimidade dos comentários [à altura deste artigo com [a hashtag] com o seu nome reprovam as acusações que o antigo internacional inglês fez sobre racismo.

Campbell ainda chegou a ser capitão da seleção inglesa em três jogos particulares; contra a Bélgica e a Rep. Checa em 2008 com Glenn Hoddle como selecionador e, em 2005, frente ao Estados Unidos sobre o comando de Sven-Goran Eriksonn. O treinador sueco já veio refutar as acusações da escolha do capitão pela cor da pele, assim como um antigo responsável da federação inglesa também o fez.