Ádám Nagy será uma das figuras de cartaz no Hungria-Portugal desta quarta-feira. O médio que celebrou recentemente o seu 21º aniversário conquistou espaço no onze da seleção e vai travar duelo com João Moutinho e companhia.

Uma evolução fantástica para um jovem que, nos primeiros meses de 2013, ainda estava a jogar na segunda divisão do campeonato distrital de juniores da Associação de Futebol de Santarém.

Nagy era o rapaz mais magrinho – e um dos mais talentosos – de um grupo que competia como o VSI Rio Maior FC. O projeto financiado por nomes como Ian Wright e Mark Hughes foi apresentado com pompa e circunstância em janeiro de 2012 mas terminou abruptamente em março de 2013.

O chamado VisionPro Sports Institute (VSI) recrutou duas dezenas de talentos de Inglaterra, Espanha ou Hungria. Começou por se instalar em La Manga, em Espanha e mudou-se entretanto para Rio Maior.

Ádám Nagy deixou o seu país para integrar esse projeto, a par de mais três compatriotas. Para trás ficaram a família e os estudos.

Acácio Santos, que fazia parte da equipa técnica do VSI em Portugal, recorda um pormenor delicioso em torno do jovem que tinha então 17 anos:

«Um dia demos com o Ádám a ler uma tradução em húngaro de um livro do Paulo Coelho. Creio que era o Alquimista. Isso reflete bem o seu tipo de mentalidade. Enquanto os outros cultivavam mais a imagem, ele afastava qualquer sintoma de ostentação. Sempre foi muito focado e com grande maturidade emocional, para além da inegável qualidade técnica», começa por dizer, ao Maisfutebol.

O atual comentador desportivo salienta a evolução do médio húngaro: «Ele tem uma estrutura magra, pernas arcadas e uma postura um pouco curvada. O trabalho de João Lapa foi importante. Aliás, posso dizer que havia muitas dúvidas em torno do Ádám, que parecia até desengonçado, mas sempre acreditamos de que ele podia ir longe na carreira.»

«Ádám Nagy evoluiu no Ferencvários e tem argumentos para jogar num Benfica, num Sp. Braga, num FC Porto. Quando estava no Levadiakos, tentei levá-lo para a Grécia mas infelizmente não foi possível. Acredito que será dos melhores médios da sua geração», conclui Acácio Santos.

[Ádám Nagy a jogar no VSI Rio Maior FC]

Na tal equipa do VSI jogavam dois portugueses: André Sousa e Diogo Marques. São eles que explicam ao Maisfutebol como foi essa época inusitada de 2012/13. Um ano de promessas e ilusões.

André e Diogo não atingiram o patamar de Ádám Nagy. Aliás, nenhum desses jovens atingiu.

«O Nagy já era nessa altura internacional jovem pela Hungria e isso foi importante quando o projeto acabou. Os outros húngaros também estão a jogar em equipas do seu país, mas a maioria dos restantes já deixou o futebol», conta Diogo Marques.

Diogo tem atualmente 22 anos e estava nos juniores do Belenenses quando foi convidado para o projeto VSI por Hugo Ribeiro, diretor geral da academia em Portugal e seu antigo treinador.

O antigo defesa trocou Lisboa por Rio Maior e instalou-se no complexo desportivo da localidade. André Sousa, que jogava no Núcleo Sportinguista de Rio Maior, também aceitou o aliciante desafio.

«Precisavam de um avançado, sugeriram o meu nome e agradei num período de experiência. Como condição, tive de deixar os estudos e saí de casa dos meus pais para ir morar para o complexo com os outros jogadores. Foi um grande erro», desabafa André.

[Um onze do VSI Rio Maior FC com Nagy]
 

O VisionPro Sports Institute (VSI) instalou-se no complexo desportivo, ocupou grande parte dos quartos e deixou um grande número de promessas.

«A ideia era colocar os jogadores em grandes clubes, para isso fizemos jogos particulares frente a Benfica, FC Porto, Sporting, alguns foram até a períodos de testes em clubes ingleses, mas na prática ninguém deu o salto que prometiam», salienta André Sousa.

Havia qualidade naquele grupo. Tanta que, com naturalidade, a equipa do VSI dominava por completo a segunda divisão distrital do campeonato de juniores da AF Santarém.

«Até março tivemos apenas um empate, de resto tudo vitórias», recorda André, secundado por Diogo: «Nem havia comparação. Já treinávamos como profissionais, estávamos muito melhor preparados que os outros.»

André Sousa descreve esse plano de preparação do VSI.

«Morávamos todos juntos, tínhamos de ir para a cama às 22h30, por vezes às 7 da manhã acordavam-nos aos berros, os treinadores ingleses, para irmos fazer corrida entre Rio Maior e as Salinas. Depois treinávamos à tarde e pelo meio tínhamos aulas. Aulas de inglês e de desporto, apenas.»

Os investidores e responsáveis pretendiam levar a equipa até ao campeonato nacional de juniores. Porém, tudo mudou em março de 2013. Nem acabaram a época.

[Alguns jogadores do VSI Rio Maior FC]

André Sousa, avançado de 21 anos, voltou ao Núcleo Sportinguista de Rio Maior e ainda luta por um futuro como jogador profissional. A passagem pela equipa do VSI, de qualquer forma, provocou danos irreparáveis.

«Para ir, deixei a escola e saí de casa dos meus pais. Quando acabou, ainda me disseram que me iam colocar numa equipa boa, como o Sp. Braga, mas foram só promessas. Deixaram-nos ao abandono. Foi algo que me afetou muito, até psicologicamente. Tive de começar a trabalhar e assim continuo. Mas espero que possa ser um Jamie Vardy português.»

Diogo Marques já não acredita. Aliás, terminou a carreira nessa equipa do VSI, com apenas 19 anos.

«Tive uma lesão grave durante a época, prometeram que me iam ajudar mas acabei por ter de ser eu a pagar a operação. Esse senhor Hugo Ribeiro, que tinha sido meu treinador, e o VSI deixaram-me sem nada. Passei a sénior mas já não consegui voltar a jogar. Lutei, terminei os estudos e estou atualmente desempregado, como muitos portugueses.»

Ádám Nagy conseguiu recuperar. Ele que já tinha pensado em desistir do futebol, antes de rumar a Espanha e Portugal, voltou à Hungria para jogar na equipa sub-21 do Ferencváros.

[Ádám Nagy com os restantes húngaros do VSI Rio Maior FC]

Em três anos, entre 2013 e 2016, o médio cimentou a sua posição no clube e conquistou o seu espaço na Seleção. Mantém as qualidades técnicas e cresceu do ponto de vista físico.

«O Nagy era o mais magrinho da equipa. Continua a ser magro mas dantes era mais evidente, só que nunca desistia de uma bola e tinha grande qualidade. Lembro-me também que era dos mais discretos, achei que até andava triste, talvez por saudades de casa. Nem imagina o que senti quando estava a ver o Hungria-Áustria e disse para quem estava ao meu lado: ‘aquele gajo jogou comigo!’ Não fazia ideia», admite André Sousa.

Diogo Marques foi acompanhando a evolução de Ádám Nagy e já sabia que o médio iria estar no Europeu de 2016.

«É algo extraordinário. Em três anos, passou de estar connosco em Rio Maior a ir ao Europeu. Não me esqueço do sentido de humor dele, dos palavrões que lhe ensinámos em português e que ele ainda sabe. Pode ser que os use amanhã.»

André e Diogo, os colegas portugueses do craque húngaro, esperam que Nagy continue a evoluir e torcem pela concretização de uma possibilidade neste defeso: o Benfica já demonstrou interesse no jogador do Fenercváros. «Ele que venha, para nos arranjar uns bilhetes», remata André Sousa.