A estória de Jonathan Bru em Portugal começa no final da melhor época dos tempos recentes da Académica, em 2009, quando a carreira de um Domingos Paciência ainda imberbe no banco estava a ponto de eclodir. Um jovem médio, de 24 anos, apareceu-lhe nos treinos em Maio, para se mostrar. Nos pés, tinha o talento aprimorado nas escolas do Rennes, onde Laszlo Boloni o havia lançado anos antes na Ligue 1, e 42 internacionalizações pelos escalões de formação dos bleus.

Domingos gostou e aconselhou a contratação à Briosa, mesmo sabendo de antemão que não estaria em Coimbra na temporada seguinte – foi para o Sp. Braga. O trinco gaulês reencontrou-se com Amoreirinha, que havia defrontado em Toulon, e começava uma nova etapa na carreira, com vontade de vencer.

Numa contratação relevada em primeira-mão pelo Maisfutebol, Bru, que se aconselhou com o ex-benfiquista Yebda e é também amigo do maliano Sissoko, ex-Juventus, vinha para fazer face à saída de Nuno Piloto e à venda de Paulo Sérgio.

Em Coimbra, foi ignorado por Rogério Gonçalves, mas viu acender-se-lhe uma luz de esperança com a chegada de André Villas-Boas. Jogou, ainda assim, muito pouco, o que não o impediu de se tornar, desde então, num enorme fã do antigo adjunto de José Mourinho. Um episódio ficou, de resto, na memória do internacional jovem francês: quando o técnico lhe ofereceu uma prenda de Natal… diferente.



«Fomos para o gabinete dele, perguntou-me quanto é que eu achava que aquilo tudo custaria, e passou-me um cheque com metade do valor. Ainda me lembro de sair da academia com dois sacos enormes cheios de equipamentos e das piadas dos colegas, que tinham recebido muito menos camisolas», conta ao Maisfutebol, cinco anos volvidos, com a mesma boa-disposição.

«O André é uma pessoa de bem, um homem com princípios de vida, um amigo, um companheiro, um irmão… foi, sem dúvida, um dos treinadores que mais me marcou. Tive o privilégio de acompanhar o seu início como técnico principal, tão jovem… que ainda é. Tem bom discurso, ideias simples e claras. É muito próximo dos jogadores, capaz de brincar connosco, porque, afinal, tinha a mesma idade que nós, mas ao mesmo tempo exigente com todos, responsável, e com um lado humano… extraordinário», conta, visivelmente entusiasmado.

«A sua maneira de ser e de trabalhar davam força à equipa e caráter ao grupo. Fala-se muito que algumas equipas são a cara do treinador e as dele são-no, sem dúvida. É uma pessoa bastante humilde, muito compreensível, com uma enorme vontade de ajudar, mas também um trabalhador incansável, perfecionista, disciplinado e organizado. Nada com ele é deixado ao acaso. André Villas Boas é top, de uma educação extrema, é a classe em estado puro», reforça.

Jonathan deveria continuar na Académica caso o agora treinador do Zénit se mantivesse ao serviço dos estudantes, mas a cadeira de sonho esperava-o mais a norte. Com isso, rumou um pouco ao lado, até Oliveira de Azeméis (para onde voltou esta época, mas já lá iremos), onde quase subiu à Liga, feito que haveria de sentir na temporada seguinte, já ao serviço do Moreirense. Mais uma vez, voltou por mudar de ares, só que, desta vez, numa decisão radical: voou até à Austrália.

Na terra dos cangurus com Del Piero e Emile Heskey

O salto só não foi totalmente no escuro porque já conhecia alguma coisa do país que é praticamente um continente. «Já tinha passado férias havia uns três/quatro anos em Melbourne e Sidney, mas é muito diferente quando se vive e quando se trabalha lá. Quando penso nisso agora, acho que pode até ser perturbador. É completamente do outro lado do Mundo», recorda. Habituado às grandes metrópoles, como Paris, Bru deparou-se com um modo de vida único.

«A vida é mais agradável e as pessoas são genuinamente boas, estão sempre prontas a ajudar. Antes de perguntares o que quer que seja, recebem-te logo com um sorriso, certificam-se que compreendeste bem a resposta, levam-te ao sítio se for preciso. Tudo é organizado, limpo, bem tratado. Segurança? Sim, não há problemas de criminalidade em especial», descreve. A natureza também é um dos pontos fortes da Austrália.

«Há o mar, a cidade, e, depois, se formos um pouco para dentro, temos logo montanhas. Cangurus? Sim, claro. Basta sairmos um pouco da civilização, entramos na zona dos desertos, e podemos vê-los em bandos, em estado perfeitamente selvagem. Aconteceu-me várias vezes. É um país lindíssimo, com grandes espaços verdes, lagos, e vês muita gente a praticar desporto», recorda.



Mas e o futebol? «É preciso dizer que o soccer, como lhe chamam, é o terceiro desporto depois do futebol australiano e do rugby. E ainda há o críquete. Tive a sorte de vir para um clube [Melbourne Victory] que é o Benfica do sítio, é o que tem mais títulos. Quando jogávamos, tínhamos uma média de 50 mil espetadores», explica.

Baseado na filosofia americana, o desporto beneficia de uma grande máquina de marketing e promoção. Durante as pré-temporadas, os patrocinadores pelam-se por trazer grandes equipas europeias ao território e foi numa dessas ocasiões que Bru defrontou o Manchester City… perante 105 mil pessoas. «Foi incrível. Jogámos num estádio de críquete, para receber mais gente», desvenda.

Numa dessas ações de propaganda à modalidade e ao clube, o médio gaulês acompanhou a equipa numa visita a um dos patrocinadores, uma célebre cadeia de comida fast food, a KFC, especializada em frango frito, e até serviu os clientes. «Anotei os pedidos, fiz a sanduiche, até entreguei as encomendas no drive [risos]», conta, divertido, aquele que ficou conhecido no balneário do Melbourne Victory como o jogador mais romântico do campeonato. «Deve ter sido por vir de Paris e por causa do sotaque», admite.

Primeiro jogador francês a atuar na Austrália

A conversa vai longa e é pelo meio que Jonathan comenta, com orgulho, que foi o primeiro jogador de nacionalidade francesa a jogar na Austrália, e também, já agora, mauriciano, uma vez que tem dupla-nacionalidade. Defrontou alguns jogadores de nomeada, que reforçaram o futebol local nos últimos tempos, em final de carreira, casos de Del Piero, Emile Heskey ou Harry Kewell. Fez também uma bela amizade com Adama Traoré, que trocou recentemente o V. Guimarães pelo Basileia.

«Ajudou-me muito. Foi a primeira pessoa a quem recorri quando cheguei. Perdi a carteira, com os documentos, e ele, assim, do nada, sem me conhecer, emprestou-me 200 euros. Mais tarde, quando se lesionou gravemente num joelho, deixei o meu apartamento para ir viver com ele e ajudá-lo. Ofereceu-me a sua cama e ficou a dormir no sofá», exemplifica.

Oliveirense de novo

Pode dizer-se que nunca se deve voltar a um sítio onde se foi feliz, mas se até José Mourinho, por exemplo, já contrariou essa máxima, os deuses não irão, seguramente, importar-se com Jonathan Bru. Quando outras possibilidades se abriram no horizonte do francês, eis que este resolve regressar a um sítio que lhe deixou gratas recordações.

«Por quê? Por que é aqui que me conhecem, o último sítio onde havia jogado antes de ir para a Austrália foi em Portugal, logo o mais sensato era voltar. É um clube que conheço bem e vice-versa, onde me sinto bem e as pessoas gostam de mim. Depois, continuei sempre em contato com dirigentes e o próprio treinador da altura quando parti», justifica.


«A proposta apareceu com naturalidade e, quando fui apresentado no balneário, o presidente disse: Bru está de volta a casa. Penso que isto quer dizer tudo. É o clube que me está no coração, uma casa que tem na humildade a sua força», considera.

Vê-se a jogar mais um ano em Portugal, mas depois gostaria de experimentar ainda «outro futebol, outro país, conhecer pessoas, novas culturas e mentalidades». Mas antes, há um desejo que gostaria de cumprir, deixando a formação de Oliveira de Azeméis num patamar superior. «Tinha piada conseguir aquilo que não consegui há três anos», despede-se, esperançado.

Eis Jonathan Bru: