Ver antigos jogadores de futebol na televisão é muito comum nos dias que correm. Mas, quase sempre, em programas relacionados com desporto. Como comentadores, mais ou menos identificados com um clube. Passar a barreira para o entretenimento é um assunto diferente. Nem todos ousam.

Esta terça-feira surgiu a notícia da participação do ex-benfiquista Amaral no reality-show «A Fazenda», no Brasil, que já vai na oitava edição. Está longe de ser inédito, mas, se nos reportarmos ao panorama português, chegam os dedos de uma mão para contar aqueles que arriscaram fazer algo diferente depois de pendurar as chuteiras.

«O jogador de futebol tem de perder a mania que tem uma profissão à parte». Quem o diz é Fernando Mendes, quando confrontado com a pouca adesão de ex-futebolistas a este tipo de programas.

O antigo lateral que jogou nos três grandes esteve durante cerca de um mês, em 2011, na Etiópia, junto de uma tribo local, os Hamer, para o programa «Perdidos na Tribo», da TVI.

«Na altura aceitei pela experiência, por ser um reality-show diferente dos outros, e também pesou o aspeto financeiro, claro. Foi uma quantia boa, reconheço. Mas foi uma experiência boa, também. Estava a precisar de umas férias, entre aspas», brinca, em conversa com o Maisfutebol. E explica o porquê das aspas: «Foi muito difícil. Não estava à espera de encontrar o que fui encontrar. Só quem lá está é que sabe. Situações muito complicadas, a nível humano, de higiene. Passei muita coisa ali. Desde não poder tomar banho, não comer, higiene zero…Viver e integrar-me no que aquelas pessoas faziam... Foi muito complicado.»

Fernando Mendes é um exemplo. Há outros, claro. O caminho foi aberto por Jorge Cadete, ainda este tipo de programas dava os primeiros passos em Portugal. Na primeira edição com famosos do Big Brother, o antigo avançado de Sporting e Benfica aceitou o desafio.

No seu vídeo de apresentação, Cadete admitiu «uma certa preocupação» inicial em aceitar. «Mas, mais para a frente, pensando bem nas coisas que poderiam surgir, aceitei de bom agrado», confessou.

Ainda assim, reconheceu que nunca lhe tinha passado pela cabeça estar num programa daqueles. «Apesar de em certas situações imaginarmos, quando estamos a ver o programa, como poderá ser estar 24 horas fechado numa casa», sublinhou.

Cadete no Big Brother Famosos:



«No balneário, ao fim do dia, cada um vai à sua vida…»


A experiência de Cadete foi em 2002, dois anos após a estreia do primeiro Big Brother em Portugal. Houve ainda a presença do ex-benfiquista Rui Esteves numa edição da «Quinta das Celebridades» e de Carlos Xavier num programa semelhante dedicado ao mundo do circo. O último ex-futebolista a aventurar-se foi José Calado, antigo médio do Benfica (onde foi, inclusive, colega de Amaral). E adorou a experiência, na versão VIP do 'Grande Irmão'.

Tal como Fernando Mendes, admite que o «dinheiro extra» que pôde encaixar pesou na decisão de aceitar o repto de se fechar numa casa vigiada por câmaras. «Mas adorei, sinceramente. Permitiu lidar com vários tipos de personalidades e foi uma experiência muito para lá do futebol. No balneário encontrámos jogadores muito diferentes, mas depois, no final do trabalho, cada um vai à sua vida. Ali, gostando ou não das pessoas, tínhamos de dividir aquele espaço, comer juntos, dormir juntos. Foi uma experiência enriquecedora», resume, em conversa com o nosso jornal.

A ideia de «sair um pouco do ex-jogador de futebol» também o agradou. «Tentei mudar um pouco a forma como as pessoas olham para os futebolistas. Há uma opinião formada, de uma certa arrogância, falta de humildade ou distância, e é importante que as pessoas possam perceber que são pessoas normais, com problemas para resolver, com bons e maus momentos como toda a gente», explica.




Fernando Mendes perdeu 12 kg em 29 dias

Para Fernando Mendes uma coisa é certa: o formato que escolheu teve um peso importante. «Não aceitaria qualquer coisa. Era incapaz de entrar num Big Brother, por exemplo. Estar fechado numa casa, sem nada para fazer não é para mim», explica.

O «Perdidos na Tribo» foi, porém, bem mais exigente. «As pessoas muitas vezes pensam: ah, aquilo é tudo mentira, é só para as câmaras, eles depois são levados para um sítio bonitinho, com comida, tudo arranjadinho. Nada disso. Para ter noção, estive lá 29 dias e perdi 12 kg! Não foi nada fácil de suportar»
, conta.

Outro problema recorrente neste tipo de programas está relacionado com a exploração que é feita pela chamada 'imprensa cor de rosa', que dedica várias páginas aos programas e concorrentes. Fernando Mendes diz que fez o que era seu apanágio também nos relvados: jogou à defesa.

«Ia preparado para a imprensa, mas pouco lidei com ela. Nunca fui muito de expor a minha vida. Só digo o que quero, não o que querem que eu diga. E depois tinha muita experiência de lidar com a imprensa desportiva que também não é fácil (risos). Maior treino que esse não há, creio. Ficas com um arcaboiço excelente», brinca.

Calado partilha a opinião. Lembra que os futebolistas são conhecidos «desde muito cedo» e lidam jogo a jogo com pressões de vários sítios, incluindo a imprensa. «As redes sociais surgiram há pouco mas sempre houve mediatismo no futebol e o Big Brother foi outra experiência, também ela muito mediática», encerra.

E que, sublinha, também lhe exigiu «superação», embora diferente da de Fernando Mendes. «Não poder fazer o que cá fora é normal foi complicado. Ler um livro, pegar no telemóvel, pegar no carro. Enfim…»

«Não fui à procura de promoção»

A reação no meio, ou seja, entre os outros jogadores ou ex-jogadores, foi positiva em ambos os casos. Fernando Mendes diz que não «chocou ninguém» porque não mudou por estar num programa televisivo. «O que eu fui lá era o que eu seria aqui. Digo isto porque sei que normalmente há mudanças, mas fui eu próprio», garantiu.

Calado lembra que, devido ao secretismo que o programa exige, muitos amigos só souberam depois de já estar dentro da casa. «Ficaram surpreendidos por ver-me lá por causa da minha habitual postura e do meu percurso, mas disseram que tinham gostado. Não só pela prestação, mas também pela forma como representei a classe dos jogadores de futebol», frisa.

Fernando Mendes sublinha um dado importante: «Não fui à procura de promoção». «Normalmente as pessoas aceitam isto à procura de conseguir algo. Eu era treinador do Montijo, não fui procurar um clube para treinar, de certeza»
, atira, entre risos.

A mesma ideia é partilhada por Calado, embora lembre que a participação lhe trouxe «uns meses diferentes na vida». «Depois ainda entrei no ‘Dança com as Estrelas’, outra experiência que adorei. Passei ali uns tempos em projetos que nada tinham a ver com o futebol e foi bom porque é importante também fazermos outras coisas», sublinha o atual comentador da Benfica TV.

A ideia é, então, tirar o jogador da «redoma» em que habitualmente se insere, sublinha Fernando Medes.

«O futebolista tem de perceber que não é um ser à parte de tudo o resto. Parece que estão numa redoma e ninguém lhes pode tocar. Às vezes é preciso sair da redoma. É importante que haja este tipo de coisas até para a imagem do jogador em si. Claro que nem todos têm feitio, mas como eu já houve outros. O Cadete, o Calado… A vida dá muitas voltas e é preciso mostrar que nos sabemos adaptar», diz o antigo lateral.



Calado explica ainda que é possível levar ensinamentos do futebol para um reality-show. «A experiência de balneário serviu para alguma coisa. No futebol estamos habituados ao entra e sai. Chega a janeiro saem uns jogadores, vêm outros. Fui capitão em algumas equipas, incluindo o Benfica, e no balneário tinha ser o elo de ligação dos mais novos com os outros jogadores e, ao mesmo tempo, gerir conflitos que, como em qualquer profissão, vão aparecendo»
, explica.

E a experiência serviu-lhe na casa, também. «Ali o confronto torna-se inevitável, porque é algo que nos consome muito a nível psicológico. Tentei usar a experiência de capitão e servir de mediador», conta.

Até porque, destaca, o formato continha uma lição importante para os espectadores. No Big Brother em que Calado participou, a casa dividia-se entre um lado luxuoso e o chamado ‘barracão’. «Foi algo bem conseguido porque mostra a realidade da sociedade, onde o luxo vive lado a lado com a pobreza. E, curiosamente, as pessoas que estavam na parte mais pobre, talvez por terem de viver com mais privações, acabavam por ser muito mais unidas. Foi um ensinamento», considera.

Ora, posto isto, faltou a questão final, a mesma a ambos: a experiência que, agora, será de Amaral, seria para repetir? Calado admite que sim. Fernando Mendes acha que só «fez sentido naquela altura». «Foi muito difícil, insisto. Não me apanhavam lá tão cedo…», finaliza, entre risos. 

Fernando Mendes leva o futebol à tribo Hamer: