15 de maio de 2016, o dia do final da carreira de José Augusto Alves Batista, o ‘Totti’ do Sousense. O seu nome pode, porventura, ser pouco conhecido para a maioria dos adeptos, mas está muito presente na memória daqueles que semanas após semana acompanham o CNS e, mais especificamente, nos adeptos do Sousense.

O destino quis que a sua despedida fosse, curiosamente, frente à equipa que o lançou no futebol sénior, o Salgueiros. Aos 79’ minutos, Zé Augusto é substituído e diz adeus ao estádio 1º de Dezembro, a sua casa ao longo de onze temporadas. Para trás fica construída no mundo em que viveu durante 27 anos.

Uma despedida que o jogador considerou «especial»

«Vou ter saudades do balneário e das brincadeiras que ainda hoje, tenho com os amigos que fiz no futebol. A gente sair do trabalho, saber que vai treinar e saber que tem aquele espaço de uma hora antes do treino, não há dinheiro que pague isso. É espetacular, não dinheiro que pague isso», afirmou Zé Augusto, em conversa com o Maisfutebol.

A paixão pela bola começou aos 12 anos ao serviço do Bom Pastor, no Porto. Passou pelo SC Cruz antes de chegar ao histórico Salgueiros. No clube de Paranhos completou a formação entre 1993-1995 e, como sénior, deu cor ao sonho de se estrear no patamar mais elevado do futebol português.

Após sair do Salgueiros, o avançado passou por Oliveira do Bairro, Campo, Sousense, São Pedro da Cova, entre outros clubes, até regressar novamente ao Sousense, clube onde se manteve durante nove temporadas consecutivas.

Contudo, após ter ingressado no Sousense decidiu sair, muito por culpa do projeto apresentado pelo São Pedro da Cova.

«Nesse ano no Sousense acabamos por descer. Apareceu o São Pedro da Cova que estava na já extinta 3ª nacional e fui para lá até ter regressado», explicou.

Uma temporada foi a duração da aventura de Zé Augusto em Valongo. Regressou a tempo de marcar uma página na história do clube.

Zé Augusto à esquerda da imagem

A despedida adiada por um ano do médio que se tornou avançado

«Já o ano passado fizemos uma época brilhante, fomos a fase de subida e jogávamos um futebol espetacular. Era ali, mas depois o bichinho e a direção a pedir para ficar mais um, eu cedi e este ano não queria muito mas vamos ver», atirou.

O Sousense e as suas gentes parecem receosos em iniciar uma nova época sem a sua maior figura. E talvez, um dos maiores símbolos do clube gondomarense também não esteja preparado para abandonar de vez o clube e o futebol.

«No último jogo do Sousense, os adeptos exibiram lá uma faixa a pedirem mais um ano, os colegas, equipa técnica e direção a mesma coisa. Não sei se acabou», confessou deixando no ar a possibilidade de continuar a jogar.

E depois de mais uma época em que terminou como o melhor marcador da equipa com duas mãos cheias de golos, a idade parece ser apenas um número.

«Os golos são o meu cartão-de-visita. Acabam por ser, apesar de também ter feito algumas assistências, mas um ponta de lança vive de golos», frisou.

A relação positiva com os golos não surgiu logo nos primeiros anos. Só depois de ter passado por outras posições é que o jogador, atualmente com 39 anos, se fixou no centro do ataque e não mais parou de marcar golos.

«Nem sempre joguei a avançado. Comecei a jogar no meio campo, como número 8, depois passei para a extremo e só depois me fixei a avançado», contou.

Curiosamente tal como Totti que se começou a destacar como ‘trequartista’ e só mais tarde passou a atuar no centro do ataque. E quiçá, é aqui que se começam a fundir as duas histórias.

Zé Augusto com a braçadeira do Sousense

«Totti» do Sousense

A história de Zé Augusto, assim conhecido pelos colegas de equipa, cruza-se com o do italiano Francesco Totti, símbolo da AS Roma muito por culpa dos amigos. A comparação surgiu entre o grupo de amigos e colegas e alcunha ‘Totti’ do Sousense acabou por pegar, como conta o jogador do Sousense.

«Foram os meus amigos. Foi na altura em que o Totti entrou e decidiu. Eu, embora não entrasse, estava a decidir os jogos. Foi por aí.»

De relembrar que Totti começou a ser talismã para a equipa Luciano Spalletti em meados de abril. Curiosamente, o capitão ‘giallorossi’ entrou quando a sua equipa perdia em pleno Olímpico de Roma com o Torino e com um bis resultou o jogo a favor dos romanos.

Esse momento (recorde aqui) que ficou para a história, aconteceu, curiosamente, quatro dias antes de Zé Augusto ter resolvido, com um bis tal como Totti, a partida frente ao Sobrado a contar para a fase de manutenção do Campeonato de Portugal.

A fase de maior fulgor de Totti coincidiu com a do capitão da equipa de Gondomar: o número 10 da equipa da capital italiana fez quatro dos seus cincos golos esta temporada entre o dia 17 de abril e o dia 5 de maio enquanto o camisola 7 do Sousense apontou 4 dos 6 golos na fase de manutenção entre o 4º dia de abril e o 8º de maio.

O segredo para se manter no ativo

A longevidade é uma das características pouco comuns no futebol atual, sobretudo no panorama nacional. Mas, como para toda a regra à uma exceção, Zé Augusto foge a essa ideia pré-concebida e prova que a idade e a qualidade não caminham de mãos dadas.

«Os segredos são o descanso, apesar de eu trabalhar, a alimentação, que considero fundamental e a paixão no futebol», realçou.

Com um agregado familiar grande e com um emprego além do futebol, é de louvar a disponibilidade de Zé Augusto para continuar a jogar futebol. O facto de manter dois empregos deve-se sobretudo à realidade do desporto-rei em futebol, mais concretamente nos escalões inferiores.

Em jeito de balanço de carreira o jogador destaca a descida com o Sousense como o pior momento da carreira. Em contraste, a temporada transata ao serviço do mesmo clube é aquela de que Zé Augusto guarda as melhores memórias.

«Dava para ver a qualidade que tínhamos, dava-nos prazer jogar e toda a gente falava do Sousense. Subiu o Famalicão, que só não subiu este ano à primeira liga porque falharam em alguns momentos e subiu o Varzim. Ouvia-se as pessoas dizerem que eramos a melhor equipa a jogar no CNS. Nós até conversávamos no autocarro e dizíamos “ Quanto é que vamos ganhar?”», contou.

«Não tenho dúvidas que se o apanhasse com 20 anos ele ia ficar milionário no futebol»

A frase pertence a Filipe Cândido, antigo colega e treinador de Zé Augusto no Sousense. Embora tenha terminado a carreira no Sousense, Filipe Cândido teve uma carreira de bom nível no futebol nacional e internacional. Formado no Sporting, o antigo avançado conta com passagens, entres outros emblemas, pelo Real Madrid B, clube no qual partilhou o balneário com Samuel Eto’o, que mais tarde, viria a ser uma das figuras do maior rival dos merengues e pelo Salgueiros onde despontava um miúdo de 21 anos, um tal de Deco.

Filipe Cândido nos seus tempos de jogador

Ainda assim, o treinador desfaz-se em elogios quando convidado a falar sobre o seu ex- pupilo e garante mesmo que o jogador do Sousense não foi mais longe por azar.

«Pela qualidade enquanto jogador e pela personalidade que tem foi do melhor que eu apanhei na minha carreira. É alguém incrível, alguém que treina sempre no limite e por esse motivo ao domingo apresenta desempenhos excelentes, de grande carácter, qualidade e atitude. Mesmo aos 39 anos é o melhor ponta de lança desta divisão. Não tenho dúvidas que se, enquanto treinador o apanhasse com 20 anos o Zé Augusto ia ficar milionário no futebol. Tem características muito especiais para algumas ideias de jogo, uma das quais por norma gosto de trabalhar. Tenho a certeza que ia ganhar muito dinheiro, muito mais do que eventualmente o fez», referiu.

Apesar de Zé Augusto ter completado em março deste ano 39 primaveras, futebolista assegura que, pelo que conhece do seu antigo jogador, este ainda era capaz de se manter no ativo mais um par de anos. O segredo está, segundo Filipe Cândido, na disponibilidade mental e na paixão que o 7 da equipa de Gondomar nutre pelo futebol.

«Acima de tudo tem uma coisa que o distingue da grande maioria dos jogadores: uma paixão muito grande pelo treino e pelo jogo. Ele treina todos os dias com uma alegria, uma vontade e uma disponibilidade que não é normal. Aliado a uma vida regrada, embora o agregado familiar, com filhos pequenos às vezes dificulte as noites, é alguém que tem um tipo de cuidado acima da média. Acima de tudo é isto: uma grande paixão, uma grande vontade de se mostrar sempre bem ao domingo e o resto vem por acréscimo. Eventualmente joga mais um, dois ou três anos à vontade se mentalmente continuar com esta paixão e vontade», salientou.

Ao serviço do Salgueiros e logo no primeiro ano como sénior, o ‘Totti’ do Sousense, estreou-se no escalão máximo do futebol português e nunca mais regressou a esse patamar. Ainda que o seu percurso tenha sido feito por escalões inferiores, Filipe Cândido garante que Zé Augusto reunia todas as condições para ambicionar outros voos e atribuí a culpa à falta de paciência para os jovens, sobretudo avançados, no futebol português.

«Provavelmente ele podia ter ido ainda mais longe não fossem as dificuldades de um jovem português em se afirmar enquanto avançado no nosso futebol. Por norma, há um timing de maturação que para fazer golos é importante e nem sempre é respeitado nos nossos miúdos. Por isso, muitas vezes, se vai buscar estrangeiros e jogadores já feitos. No caso dele, se- lhe tivessem sido dadas mais oportunidades ou tivessem gerido o processo dele de maneira diferente, pelo carácter e pelas características que possui acho que podia ter feito uma carreira bem diferente sem dúvida», atirou.

Por fim e, embora lamenta a o fim da carreira de Zé Augusto, o jovem técnico destaca que o seu antigo futebolista teve a despedida que merecia.

«Sai em grande tendo em conta o que foi o trajeto dele: a jogar, a fazer golos como capitão e a resolver jogos. Sai em alta que é como eu acho que um jogador de futebol deve sair», finalizou.