O Pai estava no banco de suplente do Alcanenense. Uma lesão chata roubou-lhe a titularidade. Com 42 anos, Paz Miguel é um exemplo de persistência e paixão.

O Filho aqueceu toda a segunda parte e foi lançado para a última meia-hora. A União Leiria já ganhava por 1-2 e era preciso manter a energia no flanco direito do ataque. Miguel Miguel era o homem certo para isso.

«Ao vê-lo entrar senti duas coisas: orgulho e emoção. Comovi-me e não tenho vergonha de o dizer. Fiquei nervoso, pois todos sabiam que o Miguel é meu filho», desabafa Paz Miguel ao Maisfutebol.

Emoções fortes, únicas, com o herdeiro futebolístico já ali ao lado. Tréguas, descanso, rescaldo. «Gostava de ter jogado pelo menos cinco minutos. Não sei se a nossa história é inédita, mas pelo menos rara é. Pai e Filho adversários num jogo do Campeonato Nacional de Seniores. É bonito».

Miguel Miguel está no primeiro ano de sénior e já tem muito o que contar. Esteve nove anos nas camadas jovens do Benfica, foi colega de equipa do pai no Alcanenense («subimos de divisão») e agora foram adversários.

«Na véspera não falámos, não queríamos revelar segredos. Foi tudo sigiloso (risos). Hoje quando cheguei ao estádio ele já estava à minha espera. Abraçou-me e trocámos um olhar. Não era preciso mais nada», diz o menino de 19 anos ao nosso jornal.


Duelo para a 2ª volta: «Nem que seja o último da minha carreira»

Quando Miguel Miguel entrou, a União já vencia por 1-2. O avançado tinha planeado uns truques para ir para cima do Pai, mas as limitações físicas do progenitor aconselhavam alguma cautela.

«O Leiria ganhou bem, tem equipa para subir. O meu Filho fez 30 minutos bons, cumpriu o que esperava dele, mas eu sou suspeito».

23 primaveras separam Pai e Filho. Paz Miguel nunca sonhou passar um domingo assim. «Jamais. Repare, o Miguel esteve nove temporadas no Benfica. Pensei que por esta altura ele já estivesse num patamar superior. Mas este ano vai fazer-lhe bem. A equipa dele é forte, pode subir».

O jogo acabou, a justiça do desfecho não é afrontada, a viagem até à casa de Torres Novas faz-se com a naturalidade possível. «Por muito que queiramos dizer que isto é normal, não podemos. Não é. Vamos dissecar tudo ao jantar, descontraídos», diz Paz Miguel.

O Filho pode ter ganho no relvado, mas à mesa os mais velhos é que mandam. «Gosto de ouvir o meu pai. Tem uma carreira bonita e sabe aquilo que preciso de ouvir».

O duelo, olhos nos olhos, fica adiado para a segunda volta. Paz Miguel garante que nada o afastará desse jogo em Leiria: «Nem que seja o último da minha carreira».

Miguel Miguel que se cuide.


«Jogo desde os oito anos com óculos. E gosto»


Defesa central guerreiro, apaixonado, Paz Miguel tem «força e motivação para treinar quatro vezes por semana» no Alcanenense. O percurso no futebol revela passagens por Riachense, Torres Novas, União Almeirim, Rio Maior, Monsanto e Alcanenense.

«Não vejo mais ninguém com a minha idade a jogar a este nível. Só se for guarda-redes», atira, divertido, o Pai de Miguel Miguel.

O Filho tem a tal passagem importante pelo Benfica: nove temporadas. Saiu da Luz no primeiro ano de júnior e passou depois por Alcanenense (onde foi colega do progenitor) e União Leiria. Esta época já leva dois golos marcados.

«Rápido e bom tecnicamente», Miguel também se destaca por jogar de óculos. «Faço-o desde os oito anos e sinto-me bem. Às vezes, quando chove, uso lentes de contato, mas sinto-me desconfortável».

Pai contra Filho no Campeonato Nacional de Seniores. Uma história de futebol, das raras.