De Fuglafjordur a Torshavn são 70 quilómetros de distância. Segunda-feira, dia de Ilhas Faroé-Portugal, é esse o percurso a percorrer por Clayton Soares e Alex dos Santos, dupla brasileira do IF e anfitriã do Maisfutebol nesta visita ao arquipélago do Atlântico Norte.

Clayton, 37 anos e carioca do Rio de Janeiro, está desde 2002 nas Faroé; Alex, 35 e baiano, chegou dois anos depois. Agora são colegas de equipa e os únicos futebolistas a falar Português na liga local, que de faraónica nada tem.

«São dez equipas e três voltas. O campeonato vai de março a outubro», explica Clayton, depois de mais um treino, satisfeito pela temperatura atual. «Estão oito graus, está bom. Não é o Brasil, mas para quem já treinou debaixo de neve e com cinco graus negativos…»

«Disse à minha família que ia para a Dinamarca»

50 mil habitantes, 17 mil na capital, um mundo de serenidade, sem crime e sem castigo. «Dormimos de porta aberta, as prisões estão vazias e não há desempregados. Para um brasileiro, como deve imaginar, isto é um paraíso. Só é pena o frio…»

Futebolistas profissionais? Nem vê-los. Todos têm outro emprego, até às 17 horas, e depois juntam-se para o treino. «No IF treinamos três vezes por semana. Eu trabalho numa fábrica de comida para peixe e conservas. Tudo gira em redor da pesca e o mar».

Clayton e Alex estão certos. 95 por cento das exportações faroenses dependem da atividade piscatória. Não admira que a gastronomia nacional se baseie no que vem do mar.

E nem vale a pena mencionar o sangrento e repugnante ritual da caça à baleia. «Como tudo, menos isso. Não gosto nem de pensar. O cheiro é nauseabundo, não sei como eles gostam. Faz parte da identidade das Faroé, respeitamos. Isso e papagaio do mar, uma espécie de pinguim».

Sim, os adversários de Portugal apreciam baleia e pinguim. Mais uma razão, ou duas, para perguntar aos brasileiros do IF a questão primordial: «Ilhas Faroé, porquê?»

«Eu nunca tinha ouvido falar do país», diz Clayton. «Eu jogava no Serrano, pequeno clube do Rio, e tinha um amigo a jogar na Islândia. Ele recebeu um convite para vir para as Faroé e como não queria estar sozinho sugeriu o meu nome. E eu vim, queria jogar na Europa».

Para convencer a família, Clayton teve de contar uma pequena mentira. «Como é que eu lhes ia dizer que íamos para as Faroé? Bem, tive de dizer que o nosso destino era a Dinamarca. E resultou (risos). Cá estamos».

Clayton no Rio vs. Clayton em Fuglafjordur: descubra as diferenças

Enjoos e vómitos a caminho de Skálavik: «lá ninguém ganha»

O futebol das Ilhas Faroé acompanhou a evolução do próprio país. «De 2002 a 2016 muito mudou», considera Alex dos Santos. Clayton não podia estar mais de acordo.

«Passei o meu primeiro ano a tiritar de frio e só com um canal de televisão em casa. Um canal que transmitia a partir das 18 horas. Só aguentei porque as pessoas são muito gentis, senti-me sempre integrado».

O campeonato nacional é pobre, mas os salários «já são interessantes». O pior, acrescenta Clayton, são algumas deslocações.

«Quando vamos a Skálavik, na ilha do sul, temos de aguentar uma viagem de duas horas de barco. Há colegas meus que enjoam e vomitam, chegam ao jogo num estado horrível. É por isso que o clube de lá nunca perde em casa (risos)».

O IF, de Alex e Clayton, tem um pequeno sintético entalado entre casas coloridas. A vista para o selvagem Atlântico é prodigiosa. O ruído das ondas é a companhia inseparável dos brasileiros.

«É lindo, lindo. Mesmo nas nossas casas, basta abrir a porta e temos um prado extraordinário, verdinho. É uma vida sem stress, para a cabeça não há melhor».

Treino do IF (e o Atlântico ali tão perto)

«Brandur Olsen e Ragnar Nattestad são os melhores»

Clayton e Alex pretendem estar no estádio para o Ilhas Faroé-Portugal, mas não está a ser fácil arranjar bilhetes. Os ingressos esgotaram em poucos minutos e os brasileiros estão dependentes da boa vontade alheia.

«O campo vai encher. Há um entusiasmo enorme aqui. Portugal é campeão da Europa e tem o Cristiano Ronaldo. Vamos para Torshavn, mas não sei se arranjaremos bilhetes».

E o que vale esta seleção das Ilhas Faroé? «Eles melhoraram muito», considera Clayton. «Têm um médio de boa qualidade que joga na Dinamarca, o Brandur Olsen. Tem só 20 anos e gosto do futebol dele».

«Destaco um dos centrais, também: o Sonni Ragnar Nattestad. Atua na liga islandesa e é um atleta fantástico».

Contas feitas, a que conclusão chegam Clayton e Alex? As Ilhas Faroé podem surpreender?

«Eu adoro as pessoas de cá, mas só surpreendem se Portugal quiser».

Ilhas Faroé, arquipélago gelado no Atlântico Norte, 50 mil almas descendentes dos vikings, gentis devoradores de simpáticos pinguins e baleias. Gente misteriosa.

Alex e Clayton, os heróis desta aventura