«Esta época não está a jogar por opção ou por falta de convites aliciantes? Infelizmente, não jogo por falta de convites. Não aliciantes, mas dignos…»

12 de maio de 2013. Elói faz o seu último jogo oficial pelo FC Porto, aos 20 anos, no duelo de equipas B com o Sp. Braga. Para trás ficavam cinco épocas de ligação ao clube, com vários títulos pelo meio, incluindo um campeonato de juniores.

Três anos mais tarde, o guarda-redes despede-se no futebol profissional na baliza do Sacavenense, frente ao Águias do Moradal, garantindo a permanência no emblema de Sacavém no Campeonato de Portugal.

O que estaria por trás da quebra abrupta de um guarda-redes com ótima formação, passando por Arrentela, Sporting, Belenenses e FC Porto, para além das seleções jovens? A resposta de Elói no primeiro contacto com o Maisfutebol é desarmante.

Elói Silva tem por esta altura 24 anos e trabalha no bar de um hotel de Lisboa. Já subiu alguns degraus desde a primeira experiência fora do futebol, quando ainda estava no Sacavenense e entrava às 6 da manhã numa padaria. Pensava no futuro, sobretudo, perante uma realidade pouco digna.

«Quanto terminou a época no Sacavenense, que teve uma mudança de treinador e onde fiz 30 jogos, não houve possibilidade de continuar. Entretanto, as abordagens que tive envolviam quantias de fazer rir para quem tem contas para pagar, tem uma fillha, quer pensar no futuro…»

Mafra, União de Montemor, Sacavenense. Depois de sair do FC Porto, Elói representou três clubes do Campeonato de Portugal. O cenário com que se foi deparando obrigou a uma mudança de rumo. Eis um retrato esclarecedor.

«A realidade é que, entre cerca de 80 clubes do Campeonato de Portugal, só 10 ou 15 pagam o salário mínimo ou pouco acima disso. Os clubes têm três ou quatro jogadores profissionais, que ganham ali pelo salário mínimo, o resto são verbas que não dão para nada.»

O guarda-redes garante que nesse patamar há dezenas, centenas de jogadores a viver realidades insustentáveis, em nome de uma pura ilusão. Para ele, pelo menos, tinha chegado a altura de dizer basta.

«Não ia andar mais tempo no futebol assim. Para quê? Para ganhar 200 euros por mês, durante 10 meses, até aos 35 ou 36 anos? Quanto se sabe que até nos campeonatos profissionais fazem contratos de 1000 euros, por causa dos regulamentos, mas depois convencem os jogadores a receber apenas 200…»

Os clubes pagam valores baixos mas estabelecem normas que se enquadram em jogadores de topo, pagos como tal.

«Em Sacavém, por exemplo, chegou uma altura em que o treinador quis marcar treinos de manhã e à tarde. Eu já trabalhava, assim como outros. Não desisti, eu quis vencer, mas infelizmente tive de tomar esta decisão. E nem sou caso único, já vi muitos jogadores que deixam o profissionalismo. O futebol, este mundo do futebol, é uma ilusão.»

Elói tem 24 anos e não queria esperar mais uma década para entrar no mercado de trabalho: «Acho que há muita falta de consciência, os jogadores deixam-se andar e pensam que aos 35 anos vão ter fundo de maneio e soluções para o futuro.»

«Venho de uma família humilde, os meus pais trabalham muito, a minha irmã também me aconselhou bem e ter sido pai cedo fez-me ver as coisas de forma diferente. Não quero que a minha filha passe por dificuldades daqui a uns anos.»

É curioso perceber como a visão de Elói mudou. Quando teve o primeiro contacto com o futebol, no modesto Arrentela, apaixonou-se de imediato. Tinha apenas 9 anos. Esse sentimento foi-se perdendo.

«Comecei a jogar no Arrentela e nessa altura tudo era perfeito, mágico. Pensava apenas na alegria, no futebol puro, um sonho. Depois vais percebendo que no mundo do futebol é preciso ter qualidade mas acaba por ser mais importante ter boas relações, seja com treinadores, com empresários…perde-se o encanto.»

O guarda-redes mudou-se para o Sporting. Esteve dois anos na formação leonina, três anos no Belenenses e rumou a Norte em 2008. Assinou pelo FC Porto, começou pelo Padroense (clube onde jogam os juvenis de primeiro ano dos dragões) e foi crescendo no emblema portista. Aliás, orgulha-se de ter sido bicampeão, pelos juvenis em 2010 e pelos juniores em 2011. Porém, algo mudou.

«Quando subi aos juniores do FC Porto já ia percebendo que o meu espaço estava a acabar. Primeiro quiseram apostar no Tiago Maia (ndr. atualmente no Praiense), no meu primeiro ano de juniores. No segundo foi o Kadú (ndr. atualmente no Trofense). Eu fiquei sempre porque era de confiança, era uma boa retaguarda, gostavam de mim, mas não apostavam.»

Sair da formação de um grande, várias vezes sem espaço no plantel principal, leva a um choque violento com a realidade.

«Se calhar devia ter feito como Igor Rocha, que saiu do FC Porto, cresceu fora e está agora no Arouca. O Ederson, por exemplo, se calhar só está onde está porque saiu do Benfica e provou o seu valor no Ribeirão, depois no Rio Ave. Regressou com outro estatuto.»

Elói subiu ao FC Porto B na época 2012/13 mas, uma vez mais, ficou na retaguarda. Era o suplente de Stefanovic e Fabiano também fez alguns jogos pela formação secundária. O português teve apenas uma aparição, já na jornada 41, no empate com o Sp. Braga B. O pior viria depois.

«Acabou a ligação ao FC Porto e fui mal aconselhado. A pessoa que me acompanhava nessa altura prometeu que tinha clube para mim, que tinha clube, que tinha clube…e eu se não tivesse arranjado uma solução ia ficar parado. Infelizmente, existem muitas pessoas que estão a estragar o futebol.»

Elói regressou ao centro do país e assinou pelo Mafra. Depois União de Montemor e mais tarde o Sacavenense. Lentamente, foi percebendo que seria difícil voltar a um patamar alto. Por isso, tomou a decisão mais difícil.

«Comecei a trabalhar. A primeira experiência foi numa confeitaria, em que entrava às 6 da manhã e trabalhava até às 14 horas, seguindo para os treinos. Foi duro, muito duro mesmo. Não que aqui no hotel seja mais fácil, mas é diferente, o tipo de cliente também é diferente. Numa confeitaria tem sempre pressa, porque vai trabalhar, num bar de hotel vem com mais tempo, com a ideia de relaxar.»

O guarda-redes chegou entretanto ao Browns Central Lisboa Hotel e ficou entusiasmado com a confiança depositada. Deixou o Sacavenense em maio de 2016 e cresce longe do futebol.

«Atualmente sou barman, mas comecei aqui como aprendiz de mesas, fui crescendo. Felizmente tenho apoio nesse sentido aqui, apoiam-me na formação, dão-me espaço, estou muito agradecido. Já sei fazer os cocktails clássicos, já me safo bem (risos). Penso continuar aqui, é algo que gosto de fazer e dá-me uma possibilidade de carreira na área da restauração, quem sabe no futuro com a gestão de um espaço.»

Após um ano sem competir, Elói evita falar sobre um possível regresso, recordando o que sofreu quando decidiu apostar em outra área.

«Em jeito de balanço, posso dizer que fiquei acima de tudo triste. Custou-me muito ter de abdicar do futebol, tive muitas insónias, muitas noites a pensar se tinha mesmo de ser, mas foi a escolha certa. O impacto foi violento mas esta paragem serviu para pensar e ter a convicção que esta foi a melhor opção. Consegui entrar numa área em que gosto e que me dá uma perspetiva de futuro durante muitos anos.»

O guarda-redes não fecha por completo a porta a um regresso ao ativo, até porque tem apenas 24 anos, mas salienta que a sua prioridade será o mundo extra-futebol. Aquele que lhe permite colocar comida na mesma de forma segura.

«Se voltar a jogar, depois de um ano parado, será sempre numa condição secundária. Na minha cabeça esse é um ponto assente: o futebol profissional acabou para mim. Infelizmente.»

Ficam as recordações.