São 8.15 horas da manhã quando o Maisfutebol chega ao campo de treinos do Estoril-Praia e no relvado sintético já vários miúdos trazem o suor de um sol ainda tímido no rosto.

«Come on, guys: good pass, good pass», ouve-se.

«Now Kevin, press, press. Good, good, very good Kevin. That’s it.»

Durante mais de uma hora não há sorrisos, não há muitas palavras. Praticamente só se ouve o treinador. Ou antes, os treinadores. Dois, exatamente: um técnico e outro físico.

As ordens são em inglês, a linguagem universal nestes treinos. Mas há sempre espaço para o português: e os atletas são incentivados a gritar na língua de Camões.

«Os miúdos adoram estar aqui. Todas as crianças sonham jogar na Europa e eles estão a cumprir esse sonho. Depois o Estoril é ótimo, perfeito», conta Eric.

«Estão felizes e totalmente integrados. Portam-se como jogadores: estudam, treinam duas vezes por dia, descansam bem, alimentam-se, seguem à risca as indicações.»

Eric, refira-se, é um indiano de 23 anos. É mais velho do que todos os outros e já não joga futebol. É treinador e entra nos treinos para se manter ativo, mas está aqui sobretudo para tomar conta dos mais novos: é uma espécie de responsável por todos os compatriotas.

Ora no Programa Internacional do Estoril há atualmente seis indianos, mais dois canadianos e um argentino. São nove miúdos ao todo, portanto.

«Para primeiro ano não tínhamos interesse em ter muito mais», esclarece Hugo Leal.

«No futuro vamos ter também miúdos dos Estados Unidos, da China e do Bangladesh.»

Hugo Leal, diga-se- é a alma do projeto: foi ele quem o pensou, quem o executou e quem o alimenta. Mais até do que seria de esperar. Mas o antigo internacional está apaixonado.

«Estou há três anos no Estoril, neste projeto não remunerado e envolvido a cem por cento nisto. Conheço os pais dos atletas todos, à exceção de um», sublinha.

«Temos um grupo no whatsapp no qual damos todas as informações, nenhum miúdo tem uma dor de cabeça que os pais não saibam, e estamos disponíveis a qualquer hora do dia para falar com os familiares. Se algum miúdo tem de ir ao hospital, não passamos essa responsabilidade a ninguém. Este programa tem muita qualidade técnica, mas tem sobretudo muita qualidade humana.»

Mas que programa é este, afinal?

Basicamente é um programa que permite a jovens de outros países viajar para o Estoril, jogar futebol no clube, estudar e viver a cultura de Portugal. Neste momento há dois indianos a estudar na Santo António International School, com a qual foi feito um protocolo, enquanto os dois canadianos e o argentino estudam à distância.

O futebol é a essência do projeto, e todos os miúdos vêm pelo sonho de serem jogadores, mas há muito mais para viver no Estoril do que apenas o futebol.

«Este programa é espetacular e o Hugo Leal é incansável. Leva-nos ao cinema, a jantar fora. Fizemos surf, uma coisa que na Índia é impossível. Fizemos climbing», diz Eric.

«Tenho experiências de ir correr um dia na praia e levar os miúdos, pararmos e tomarmos um gelado. Ou ir ao cinema com a minha mulher e levar alguns deles. Ele fazem arborismo, trampolins, visitas culturais... Quero que os miúdos sejam acompanhados como gostava que o meu filho fosse acompanhado no estrangeiro», acrescenta Hugo Leal.

«O feedback dos atletas é de felicidade pela vivência que têm em Portugal. Todos vêm pelo futebol, todos querem evoluir como futebolistas, mas depois é um prazer ver a satisfação deles pelas várias experiências que têm aqui.»

Matthew, por exemplo, é canadiano e tem 14 anos. Como todos os outros miúdos, confessa que veio para Portugal pelo sonho de ser jogador de futebol.

«Acredito que quando acabar este ano estarei muito mais bem preparado para isso. Em Portugal há um programa de desenvolvimento de jovens jogadores muito bom, há equipas excelentes, os treinadores estão bem preparados e por isso quis vir. O nível físico e técnico dos jovens da minha idade é muito superior ao que eu estava habituado no Canadá», conta.

Kevin, por outro lado, é um indiano de 17 anos. Nunca jogou futebol federado na terra natal, no norte da Índia, mas sempre alimentou o sonho em silêncio. Os pais têm possibilidades económicas para o fazer viajar e ele veio para o Estoril.

«Acabei o 12º ano e agarrei esta oportunidade. Aqui estou a melhorar em todos os aspetos, físico, técnico, tático... Espero que quando isto acabar algo de bom aconteça. Mas uma coisa sei a cem por cento: vou ser muito melhor jogador do que os meus amigos na Índia.»

Refira-se que os miúdos fazem dois treinos diários, um de manhã e de um tarde. A sessão matinal é apenas para os estrangeiros, à tarde são integrados em equipas de competição do Estoril, dependendo da idade e do nível. Dois deles estão inscritos e podem competir.

Um deles é Santi, um argentino de 16 anos que joga de cabeça levantada. Tem pinta.

«Estou encantado. Aqui o futebol é muito mais difícil, mais intenso, melhor tecnicamente. Aqui os miúdos têm muitas ganas para jogar futebol e gosto muito disso», refere.

«Estou aqui para melhorar o meu nível e tenho de dar cem por cento de mim, porque estas oportunidades acontecem uma vez na vida. Temos de dar tudo.»

Ora o programa é de um ano e corresponde ao ano escolar: de setembro até ao final de junho. Enquanto jogam no Estoril, os miúdos vivem em dois apartamentos junto ao Casino: um para os indianos, que têm uma cozinheira de origem de indiana, outro para os canadianos e para o argentino, que têm sempre a companhia de um pai de passagem por Portugal.

«No futuro queremos ter um espaço específico para os miúdos do Programa Internacional, onde possam viver todos, bem como os pais que os acompanham», esclarece Hugo Leal.

«Queremos crescer, mas não queremos perder este tipo de proximidade e familiaridade que nos diferencia, por isso não queremos um crescimento demasiado grande que nos faça perder este controlo. Este programa tem uma forte incidência cultural.»

Os miúdos adoram. Durante o treino, como se disse, os rostos estão fechados, eles levam aquilo muito a sério. Mas depois de terminada a sessão, são todos sorrisos e elogios.

«Já fomos ver jogos do Sporting, jogos do Benfica, fomos ver o Portugal-Hungria, fomos ver monumentos, castelos, enfim, estou a gostar muito», confessa o canadiano Matthew.

«Sinto saudades da minha família e dos meus amigos, claro, mas falo com eles todos os dias, vemo-nos pelo Facebook e estamos sempre em contacto. Sinto-me feliz por estar aqui e sobretudo sinto que estou a desenvolver-me enquanto jogador e enquanto pessoa.»

No fundo é uma espécie de programa Erasmus aplicado ao futebol: dar aos miúdos que jogam futebol a mesma experiência que os universitários têm por toda a Europa.

«É um programa que dá muito trabalho, as preocupações são diárias, estou disponível para solucionar qualquer tipo de problema. Mas saber que estamos a fazer alguma coisa que marca a vidas do miúdos é uma satisfação enorme», sublinha Hugo Leal.

«Eu regulo o meu trabalho pelo sorriso na cara deles.»

Eric confirma tudo. Enquanto a maior parte dos miúdos fica no campo a brincar com uma bola, mesmo depois de terminado o treino, o indiano de 23 anos sorri do lado de fora.

«Não sinto que eles tenham saudades de casa. Claro que têm saudades da família e dos amigos, mas só isso. Estão felizes aqui e a prova é que querem repetir a experiência», garante.

«Mas agora têm que dar a vez a outros.»

Faz sentido. Afinal de contas quem não gostou de fazer Erasmus?