A história está a perder a piada toda.

Onde já se viu?

Os adeptos acostumados a perder. O clube habituado a celebrar os golos dos adversários e as derrotas. A Humanidade a saber de cor a denominação: Íbis, o pior clube do mundo.

E todos defraudados pela dolorosa realidade: o Íbis agora ganha.

O que vem a seguir? Vão mudar o nome da mascote? A ‘Derrotinha’ vai passar a chamar-se ‘Vitórinha’?

É que já não bastava o Íbis ter subido de divisão no final de 2021 – um ultraje, pois claro! – como logo à segunda jornada da Série A do Campeonato Pernambucano, já conseguiram uma vitória.

Longe vão os tempos em que o pequeno clube do Recife esteve três anos e 11 meses sem vencer. 55 jogos e nem uma vitória para amostra – daí o número 55 nas costas da Derrotinha. Registo ainda hoje inscrito no livro do Guiness como o mais longo período de um clube sem vencer.

É dessa época, nos inícios da década de 80, que vem o cognome que levou a fama do Íbis a todos os cantos do mundo onde se aprecie futebol.

Íbis, o pior clube do mundo.

Uma marca registada e de orgulho tamanho para clube e adeptos, que ainda hoje há quem não tenha ultrapassado a revolta por uma vitória imposta na ‘secretaria’ no final da década de 70. Um inesperado e indesejado triunfo que impediu de levar o recorde do Íbis para perto da centena de jogos sem vencer.

Uma injustiça provocada pela Justiça desportiva.

Mas esses tempos já lá vão, conforme já se deve ter percebido.

Em novembro, o Íbis colocou termo a mais de 20 anos longe do principal campeonato do Pernambuco. Subiu de divisão e festejou à grande, fazendo jus à sua história na mensagem das camisolas da festa: «Perder na Elite é mais gostoso».

Mais. O Íbis publicou nas redes sociais as caras dos «culpados por essa terrível fase vitoriosa».

Ou não fosse acontecer como em 2017, quando o clube conseguiu a maior série invicta da sua história, com impensáveis cinco vitórias e um empate, que levaram os adeptos para as ruas em protesto contra a equipa, com direito a camisolas queimadas e tudo.

É que há tradições com as quais não se brinca!

Mas a do Íbis como pior clube do Mundo não é uma delas. E até os referidos protestos, apesar de terem mesmo existido, tiveram um teor claramente humorístico.

O voluntário que fez do Íbis o quarto maior do mundo

No futebol, o fair-play é sempre bem visto. E a forma descontraída como o Íbis sempre lidou com o epíteto de ‘pior clube do Mundo’ fez com que quase todos sintam um carinho genuíno pelo clube. No Brasil, mas não só.

De há uns anos para cá, esse reconhecimento ganhou ainda maior dimensão. O surgimento das redes sociais e a forma como o clube as trabalha fez do Íbis um dos maiores clubes do Brasil em termos de seguidores. Está no top-20, apesar de andar há duas décadas no fundo do futebol pernambucano.

E por isso, a única coisa estranha é que na lista dos tais ‘culpados pela terrível fase vitoriosa’, não surja o nome de Nilsinho. O gestor de redes sociais e grande responsável pelo fenómeno de um pequeno clube que tem quase 310 mil seguidores, só no Twitter.

É ele que nos atende o telefone em Recife e dá logo a receita para o sucesso.

«Se não fosse pela piada e pela forma como reage às derrotas, o Íbis seria um clube comum como tantos clubes pequeno que ganham poucas vezes. Mas como faz disse marca, é acarinhado e todo o mundo», aponta Nilsinho, de 34 anos.

Formado em Publicidade e depois em Jornalismo, Nilsinho juntou às competências adquiridas na formação o amor pelo futebol e doses intermináveis de humor e levou o Íbis para outro patamar.

E tudo começou… por brincadeira, pois claro.

«Tenho 10 anos de Íbis. Sou do Recife e desde miúdo conheço o Íbis. Em 2011, depois de me formar em Publicidade, na explosão das redes sociais, eu e uns amigos começámos a seguir o clube para poder noticiar as derrotas do Íbis nas redes sociais», introduz.

Os resultados foram tão bons que rapidamente Nilsinho avançou para a criação de um departamento de comunicação que sabia que o clube não tinha capacidade para montar e muito menos pagar.

«Trabalhámos de forma a potenciar o clube e fizemo-lo de sempre com um forte teor de humor, com o objetivo de ajudar o Íbis e atrair mais adeptos».

Missão cumprida.

Nilsinho e a mascote Derrotinha, camisola 55 em homenagem aos 55 jogos sem vencer que colocaram o Íbis no livro do Guiness

Em dez anos de Íbis, Nilsinho já fez de tudo. Assessor de comunicação, gestor de redes sociais, mascote… «só não foi jogador», atira sorridente.

O um sorriso constante que acompanha toda a conversa não precisava da frase. Mas ela surge de forma natural: «Eu sou apenas voluntário, dedico-me por gostar tanto do clube».

Voluntário. Nilsinho é voluntário – tem um outro projeto também ligado ao desportro nas redes sociais de onde tira rendimentos -, mas quando dizemos que é um dos principais responsáveis pelas inesperadas vitórias do Íbis, não exagerávamos.

No segundo semestre de 2021, de acordo com dados da Sports Value, o Íbis foi o quarto clube do mundo (!!) com mais engajamento no Twitter. Só Arsenal. Chelsea, Manchester United superaram a média de 11.786 interações por publicação do pequeno Íbis.

E houve quem tivesse bom olho e aproveitasse isso. Em junho do ano passado, o Íbis assinou o maior contrato de patrocínio da sua história. Uma casa de apostas internacional percebeu a força que o pequeno clube tem e avançou com uma proposta que pode estar a mudar a história do clube.

«O patrocinador entrou, virou a equipa de cabeça para baixo e não é que o Íbis começou a ganhar?», questiona, rematando: «agora estamos a tentar fazer do Íbis o melhor clube do mundo!»

Mauro Shampoo só marcou um golo, é a lenda do clube e tentou contratar… Mourinho

Apesar de ter feito o Íbis crescer com o rótulo de (orgulhoso) derrotado, Nilsinho admite que neste momento as publicações com vitórias do clube geram maior interação do que as das derrotas.

«Agora rende mais quando o Íbis ganha, por isso tenho de admitir que estou a gostar de ver o clube ganhar», reage o gestor que várias vezes admitiu que como adepto queria ver o clube vencer, mas que nas redes sociais «a torcida comemora é as derrotas».

«Agora dá gozo agora ver a revolta dos torcedores com as vitórias. Vão ‘xingar’ a equipa, dizer que os jogadores estão a envergonhar a história do clube, pedir a demissão da direção. É muito engraçado isso», revela.

«A torcida não fica triste com as derrotas, sabe perder e sempre esteve habituada a isso. Mas o plantel está com uma mentalidade vencedora e o nosso treinador, Carlos Alberto, é melhor que o Mourinho», provoca.

E essa provocação não é inocente. Nilsinho já tentou contratar Mourinho, numa história que correu o mundo e que ele nos relata na primeira pessoa.

«Ah, isso foi quando o José Mourinho, de quem sou muito fã, foi demitido do Chelsea. Eu soube que ele estava de férias aqui no Recife, em Porto de Galinhas, e fui lá com um contrato para ele ser o nosso treinador», recorda, antes de explicar por que não teve sucesso.

«O Manchester United fez uma proposta para ele e nem conseguimos falar diretamente com o Mourinho. Quem nos recebeu foi a mulher e a filha dele: imagina, quando nos viu chegar com as câmaras atrás elas fugiram a correr para dentro do hotel», solta, numa gargalhada.

Ao relatar a história, Nilsinho fala sempre na primeira pessoa do plural. Porque ele não foi sozinho tentar contratar o treinador português. Levou um argumento de peso: a maior lenda da história do Íbis.

Falamos de Mauro Shampoo. Mítico camisola 10 do clube do ‘Pássaro Negro’. Jogador de futebol, cabeleireiro e artista de cinema.

Mas afinal, qual a história por detrás da maior lenda do Pior Clube do Mundo, o trunfo que Nilsinho levou para tentar contratar Mourinho?

«O Mauro Shampoo jogou dez anos no Íbis, sempre com a camisola 10 que se entregava ao melhor jogador da equipa, e nesse tempo só marcou um golo. É claro que se tornou o ídolo da torcida!», remata Nilsinho.

Nilsinho e Mauro Shampoo, a dupla do Íbis que tentou contratar Mourinho

Mas sobre a história desse golo, o melhor é mesmo dar o relato ao protagonista, hoje com 65 anos, e que já repetiu o lance dezenas de vezes.

«O Derivaldo partiu para cima, e eu fui pela meia esquerda. Ele chutou, o goleiro deu uma palmada na bola, ela caiu na marca do penálti, aí eu... golo. Olhei o campo todinho, lotado. Lotado de espaço. Não tinha ninguém. Mas eu vibrei, show, com esse golo. E gritei, eu e meus companheiros. Agora não tenho foto, não tinha câmara, e hoje todo mundo diz que foi autogolo».

Afinal a história não perde a piada. Porque a História não pode ser apagada.

E por muitas vitórias que venha a conseguir, o Íbis não se vai livrar de ser «o pior clube do mundo».

Nem quer. Porque perca ou vença, o Íbis ganha sempre.